São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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A verdade sem venda

BENJAMIN STEINBRUCH


Quanto às propaladas propinas pedidas pelo sr. Ricardo Sérgio, trata-se de um fato absolutamente inverídico


Em entrevista à Folha (Brasil, pág. A4, 8/5), o empresário Antônio Ermírio de Moraes, explicando por que seu consórcio ficou vencido na licitação da Vale do Rio Doce, fez afirmações inexatas, que precisam ser respondidas em homenagem à verdade, em respeito à história do Brasil e em respeito a ele próprio, que é um homem conceituado.
Disse, em resumo: a Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, havia se comprometido a participar de seu consórcio, mas "virou a casaca", passando a integrar o grupo vencedor do leilão. Afirma: "Talvez não tenhamos oferecido o que eles queriam. O importante é que perdemos, mas saímos de mãos limpas". Declara não ter conhecimento da história de propina "envolvendo Ricardo Sérgio e Steinbruch". Mas que o grupo vencedor, no qual inclui o Bradesco, tinha facilidade para arranjar recursos. Confessa que seu consórcio não conseguiu chegar "de jeito nenhum" no preço que o vencedor pagou pela Vale do Rio Doce. Admira-se: "Não sendo do ramo, como é que puderam pagar um preço desses? Então, algo está errado". Volta a insistir que está com o nome limpo e deseja "que se fritem os outros agora". Indagado se o senador José Serra estaria envolvido nos fatos, responde que não, mas que não pode jurar, insinuando dúvida porque existem padres envolvidos em pedofilia.
Das próprias afirmações do sr. Antônio Ermírio infere-se, desde logo, que pretendia pagar preço muito menor pela Vale do Rio Doce e que, portanto, a vitória do outro consórcio foi benéfica para o país. A esta solução chegou-se para evitar que o consórcio da Votorantim fosse o único a concorrer e porque -este detalhe é fundamental- dele faziam parte empresas da África do Sul, concorrentes da Vale e empresas do Japão, um dos maiores consumidores mundiais de minério de ferro e interessado em manter preços baixos no mercado internacional.
Estimulou-se a organização de outro consórcio com predominância do controle brasileiro e a participação de capital nacional de instituições que, "não sendo do ramo", eliminavam o perigo de acerto com grupos estrangeiros para depreciar o valor do minério de ferro em prejuízo não apenas da própria Vale, mas da receita de divisas do Brasil.
Ao contrário do que afirma o entrevistado, o Bradesco não integrou o grupo vencedor. Fez parte do consórcio que avaliou o preço de venda da companhia estatal, e não do consórcio que a comprou. Nada impediria que o integrasse, porque se tratava de simples venda de ações, o que na lei não se confunde com impedimento para licitar obras daquele que fez o projeto. Não integrou, porém, a pedido do BNDES, que, por excesso de zelo na interpretação da ética, solicitou-lhe que não participasse.
Mas, depois do certame, revelado o propósito de manter a Vale sob o domínio de grupos nacionais, sem interferência de concorrentes estrangeiros "do ramo", o Bradesco se dispôs a financiar algumas empresas brasileiras que participaram do consórcio vencedor.
E quanto às propaladas propinas pedidas pelo sr. Ricardo Sérgio, como condição da adesão da Previ ao consórcio vencedor, as pessoas com um mínimo de inteligência podem facilmente concluir tratar-se de um fato absolutamente inverídico, pois, para pagar, pela Vale, o preço considerado alto pelo sr. Antônio Ermírio, o consórcio vencedor não precisava recorrer a expedientes imorais, porque, com Previ ou sem Previ, reunia recursos suficientes para evitar a venda predatória desejada pelos concorrentes "do ramo".
E não se pode esquecer que a Previ já era sócia da Vale e, com suas ações e ações da Petros, Funcef e Funcesp, constituiu a Litel para integrar o consórcio que venceu a licitação. Quando o sr. Antônio Ermírio afirma que "talvez não tenhamos oferecido o que eles queriam", é possível que esteja se referindo ao preço da Vale, que, por serem do ramo, ele e seus consorciados pretendiam comprar na bacia das almas, em prejuízo dos cofres públicos brasileiros. Não posso acreditar que um homem de sua qualidade, não envolvido em campanha eleitoral, preste-se a difamar e a fritar os outros agora. Quanto a isto, sim, algo está errado: é uma forma de vendar os olhos do país para vender versões e não desvendar a verdade.
Na privatização da Vale do Rio Doce, não apenas o sr. Antônio Ermírio saiu de mãos limpas -embora abanando, porque vencido por bom motivo-, mas também os vencedores que ofereceram o preço mais alto, porque não passa pela cabeça de ninguém a hipótese de imoralidades num certame daquela importância para o Brasil, com participação de pessoas sérias e honradas, que integraram ambos os consórcios concorrentes, sobretudo quando o valor pago foi alto e compensador para a União, conforme o reconhecem todas as pessoas de mãos limpas, inclusive aquelas que queriam pagar menos.
Pelo chamado descruzamento acionário das empresas do sistema siderúrgico brasileiro, afastei-me da Vale do Rio Doce, que continuou sob controle brasileiro. Surgiu agora, sem nenhuma explicação ou fundamento, a história envolvendo o sr. Ricardo Sérgio e a Previ, apontado como arrecadador de recursos de campanha para o PSDB, e, por isso, foi logo tida como especulação política em ano eleitoral.
Mas, partindo de onde partiu, inclusive de correligionários do senador José Serra -embora um deles sem credibilidade nenhuma-, outros motivos não identificados podem estar por trás de tudo isso. Um deles, o mais plausível, é que agora, em 2002, completam-se cinco anos da privatização da Vale do Rio Doce. Acaba, portanto, o prazo de impedimento, estabelecido no edital, para o consórcio vencedor vender o controle acionário da companhia.
Os interessados internacionais continuam trabalhando para tumultuar a vida da Vale, talvez na esperança de provocar cansaço e o consequente desinteresse dos atuais acionistas, que, por não serem "do ramo", resolvam vender o controle acionário. Mais do que o ano eleitoral, essas razões podem explicar a deselegância e o pecado dos padres pedófilos do sr. Antônio Ermírio.


Benjamin Steinbruch, 47, empresário, é presidente do Conselho de Administração da Companhia Siderúrgica Nacional.


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