São Paulo, segunda-feira, 26 de maio de 2008

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Dever cumprido, apesar de tudo

CARLOS SAMPAIO e ÍNDIO DA COSTA

Vamos propor, em nosso sub-relatório, uma série de medidas que visam a restabelecer a credibilidade do cartão corporativo

A CPMI dos Cartões Corporativos foi instalada com a meta de apontar desvios e apresentar alternativas concretas para dar fim às irregularidades no uso dos cartões de pagamento do governo federal. Foram muitos os obstáculos, mas a persistência de uns poucos, como demonstraremos no relatório das sub-relatorias de Sistematização e de Fiscalização de Gastos, permitiu atingir os objetivos que nos propusemos.
É evidente que os avanços no sentido da moralização desse instrumento de gastos do governo serão ainda maiores com a incorporação integral de nosso sub-relatório ao relatório do deputado Luiz Sérgio (PT-RJ).
Para ter noção da importância da comissão, houve, após o início de seus trabalhos, uma redução de 60% nos gastos com os cartões corporativos do governo federal, se compararmos os primeiros trimestres de 2007 e 2008.
Com as nossas investigações, provamos que muitas foram as mordomias pessoais pagas com dinheiro público. Não foi por outra razão que uma ministra de Estado e um reitor de uma universidade federal se viram obrigados a renunciar a seus cargos.
Registramos, pasmem, o uso dos cartões em estabelecimentos como choperias, motéis, casas de strip-tease e de massagem, salões de beleza e free shops; gastos em feriados e finais de semana. Deparamo-nos até com o caso de uma servidora que, apesar de estar afastada de suas funções e residindo em Paris, continuou a utilizar o cartão, à custa do contribuinte.
Identificamos servidores públicos comissionados que são sócios de empresas que têm contratos com o governo federal, possuíam cartões corporativos e os utilizavam para efetuar compras em suas próprias empresas.
Constatamos que muitos usavam os cartões para burlar a Lei das Licitações -compravam de forma fracionada produtos que deveriam ser adquiridos por processo licitatório.
Descobrimos que a maior parte dos gastos com os cartões era feita via saques, o que burlava a transparência decorrente das faturas em que devem constar os dados da despesa efetuada.
Ouvimos os mais variados e insólitos tipos de desculpas. A ex-ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro -que entregou o cargo por causa das descobertas da CPMI-, por exemplo, alegou que seu cartão pessoal era muito semelhante ao do governo, justificando, assim, seus gastos em um free shop.
Por causa dos fatos, vamos propor, em nosso sub-relatório, uma série de medidas que visam a restabelecer a credibilidade do cartão corporativo.
Inicialmente, vamos recomendar à administradora dos cartões do governo federal que passe a identificá-los com cores fortes e diferentes das demais existentes no mercado.
Visando inibir o uso desmedido dos cartões, estamos propondo que o valor gasto indevidamente seja ressarcido em dobro aos cofres públicos. Respaldados pela Lei de Licitações e pela Lei de Responsabilidade Fiscal, vamos cobrar que haja licitação para a bandeira e para a adquirente dos cartões. Os que são utilizados hoje e que foram objetos da comissão foram escolhidos pelo Banco do Brasil, sem concorrência pública.
A fim de aperfeiçoar o controle, vamos propor que a prestação de contas dos cartões seja padronizada. Vamos sugerir a criação de uma comissão permanente, com representantes do Congresso Nacional, do Ministério Público e com o imprescindível apoio técnico do Tribunal de Contas da União, para acompanhar e fiscalizar as contas ditas sigilosas, consideradas de segurança nacional.
Lamentamos não termos tido apoio dos parlamentares governistas para aprovar requerimentos de informação e de convocação.
Essa atitude contumaz de impedir investigações de atos de membros do atual governo ficou patente especialmente no caso do vazamento do "dossiê" com gastos da gestão do ex-presidente Fernando Henrique.
Um crime que preocupa, pois representa uma ameaça à democracia.
A má-fé nesse episódio pareceu evidente quando identificamos que gastos do atual governo, semelhantes àqueles constantes do "dossiê", foram retirados dos dados oficiais encaminhados à nossa CPMI pelo Banco do Brasil.
É fundamental que as recomendações que faremos em nosso sub-relatório sejam encaminhadas ao Ministério Público e ao TCU.
Apresentaremos à Procuradoria Geral da República as provas contra aqueles que praticaram atos de improbidade administrativa. E vamos impor ao governo federal, por meio do TCU, a adoção de uma nova legislação em que os mecanismos de fiscalização e controle sejam mais eficientes e confiáveis. Em suma: depois dessa CPMI, estamos convencidos de que dificilmente nos depararemos novamente com a vergonhosa atitude de autoridades que, imaginando-se impunes, usam e abusam do dinheiro do contribuinte.


ÍNDIO DA COSTA, deputado federal (DEM-RJ), e CARLOS SAMPAIO, deputado federal (PSDB-SP), são sub-relatores de Fiscalização de Gastos e de Sistematização da CPMI dos Cartões Corporativos, respectivamente.

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