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RUY CASTRO
Cibergugu
RIO DE JANEIRO - Uma de minhas
filhas, matriculada numa escola
moderna e "alternativa" no Rio, em
1977, chegou aos seis anos sem ter
aprendido a ler, e não por qualquer
deficiência pessoal. Em compensação, subia em árvores como um mico e, idem, não por uma particular
aptidão atlética. Era o estilo da escola: pouco bê-a-bá e muita liberdade para brincar. Na verdade, o
dia de aula era um grande recreio.
Para mim, havia algo de errado
naquilo. Escravo das palavras desde tenra idade, tendo aprendido a
ler e a escrever sozinho e, aos cinco
anos, de pernas cruzadas e calças
curtas, já lendo o "Correio da Manhã", achava inconcebível que
uma filha minha, em idade tão
avançada, ainda não conseguisse
ler nem "Luluzinha". Mas esta era a
proposta da escola: valorizar, pelo
máximo de tempo, a vida natural
da criança, antes que ela se deixasse fisgar para sempre pelo mundo
verbal. Compreendi.
Hoje é o contrário. Em escolas de
São Paulo, bebês de dois anos, recém-saídos do gugu-dadá e mal entrados no minimaternal, sentam-se
ao computador e produzem complexos desenhos de ursinhos, bolinhas e florzinhas digitais. Imagino
que, aos três anos, estarão compondo óperas-rock por um programa
criado por eles próprios e, aos quatro, irão propor ao mundo um sistema de busca que engolirá o Google:
o Gugugle.
Alguns educadores mais severos
do Rio e de São Paulo alertam para
os riscos dessa precocidade. As
crianças precisam brincar com coisas simples, dizem eles, para desenvolver a observação, o aprendizado, a imaginação e até a coordenação motora. O computador entrega tudo pronto, e sua tela faz mal
à vista, principalmente para quem
ainda não tem os órgãos de visão
formados. Sem contar com que horas diante do aparelho criarão uma
geração de inermes e balofos.
Que nunca aprenderão a subir
em árvores.
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