São Paulo, quarta-feira, 26 de maio de 2010

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RUY CASTRO

Cibergugu

RIO DE JANEIRO - Uma de minhas filhas, matriculada numa escola moderna e "alternativa" no Rio, em 1977, chegou aos seis anos sem ter aprendido a ler, e não por qualquer deficiência pessoal. Em compensação, subia em árvores como um mico e, idem, não por uma particular aptidão atlética. Era o estilo da escola: pouco bê-a-bá e muita liberdade para brincar. Na verdade, o dia de aula era um grande recreio.
Para mim, havia algo de errado naquilo. Escravo das palavras desde tenra idade, tendo aprendido a ler e a escrever sozinho e, aos cinco anos, de pernas cruzadas e calças curtas, já lendo o "Correio da Manhã", achava inconcebível que uma filha minha, em idade tão avançada, ainda não conseguisse ler nem "Luluzinha". Mas esta era a proposta da escola: valorizar, pelo máximo de tempo, a vida natural da criança, antes que ela se deixasse fisgar para sempre pelo mundo verbal. Compreendi.
Hoje é o contrário. Em escolas de São Paulo, bebês de dois anos, recém-saídos do gugu-dadá e mal entrados no minimaternal, sentam-se ao computador e produzem complexos desenhos de ursinhos, bolinhas e florzinhas digitais. Imagino que, aos três anos, estarão compondo óperas-rock por um programa criado por eles próprios e, aos quatro, irão propor ao mundo um sistema de busca que engolirá o Google: o Gugugle.
Alguns educadores mais severos do Rio e de São Paulo alertam para os riscos dessa precocidade. As crianças precisam brincar com coisas simples, dizem eles, para desenvolver a observação, o aprendizado, a imaginação e até a coordenação motora. O computador entrega tudo pronto, e sua tela faz mal à vista, principalmente para quem ainda não tem os órgãos de visão formados. Sem contar com que horas diante do aparelho criarão uma geração de inermes e balofos.
Que nunca aprenderão a subir em árvores.


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