São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 2011 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O caso FAUSTO MARTIN DE SANCTIS
Gürtel, o suposto maior caso de corrupção vinculado a um partido de direita espanhol (dos 80 imputados, 24 altos cargos do Partido Progressista), está nas mãos do juiz instrutor Antonio Pedreira, do Tribunal Superior de Justiça de Madri. Inquieta porquanto o primeiro juiz da causa, Baltasar Garzón, foi afastado e passou a sentar no banco dos réus. A organização teria recebido somas em troca da mediação de contratos de administrações do PP. Doutro lado, o Tribunal Supremo processa Garzón por ter determinado interceptação telefônica reputada irregular (em presídio). Esta, porém, foi prorrogada para impedir a dissimulação no exterior dos valores ilícitos (30 milhões de euros). A decisão de Antonio Pedreira fundamentou-se na jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que permite a medida para evitar crimes de evasão fiscal. Comenta-se de estratégia antijurídica e imoral para afastar um juiz de carreira e assim possibilitar a nulidade do caso. Isso nos remete ao caso do capitão militar Dreyfus (França, séc. 19), que, apesar de inocente, foi condenado por razões antissemitas e considerado incompatível com a "nobreza" do Exército francês. No caso Garzón, como em todos os demais, a questão deve ser analisada com a profundidade merecida. Decisões legítimas em nome do Estado de Direito contra os que detêm o poder político-econômico são, por vezes, consideradas excessivas ou com carga moral retórica desmedida, mediante argumentos filosóficos que parecem expressar não interpretação da lei, mas franca oposição à "prudentia iuris". O denominador comum parece ser sempre o mesmo: persegue-se alguém por algo que se alega inconstitucional ou perigoso: a busca da verdade. Deveria esta restar em segredo eterno? Émile Zola, em sua carta "J'Accuse", escreveu: Dreyfus conhece várias línguas: crime. Em sua casa, não há documentos comprometedores: crime. Algumas vezes, visita seu país natal: crime. É trabalhador, tem ânsia de saber: crime. Se não se curva: crime. Tudo crime, sempre crime. A verdade constitui um consagrado direito humano fundamental. As resoluções da ONU, de nº 2.200/ 1966 (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos), e da OEA, de nº 2.595/2010, reconhecem a importância de se respeitar e garantir o direito à verdade, a fim de contribuir para acabar com a impunidade e promover e proteger os direitos humanos. Trata-se de um dos pilares de nossa convivência cívica e democrática. Não se deseja uma reabilitação póstuma, como ocorreu no caso Dreyfus no ano de 1906, quando o Tribunal Supremo reconheceu as injustiças cometidas. Alguém que dedique suas energias a cumprir as exigências legítimas do direito à verdade, até mesmo quando haja, por hipótese, excesso de zelo, honra o cargo e dignifica a condição humana. Conspirações podem tristemente concorrer e decorrer de virtudes. O caso Garzón exige julgamento que não reflita incompatibilidades institucionais. FAUSTO MARTIN DE SANCTIS é juiz do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e escritor. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Paulo Skaf, Artur Henrique e Paulo Pereira da Silva: Um acordo pela indústria brasileira Próximo Texto: Painel do Leitor Índice | Comunicar Erros |
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