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TENDÊNCIAS/DEBATES
O governo saiu enfraquecido da votação do salário mínimo?
SIM
Patrimônio dilapidado
ALBERTO GOLDMAN
Lula venceu a batalha eleitoral na
Câmara ao confirmar o salário mínimo de R$ 260 e derrotar o projeto do
Senado, que aprovou a nossa proposta
de R$ 275, mas dilapidou irreversivelmente os elementos mais valiosos de
seu patrimônio: o repúdio ao fisiologismo, manifestado na caracterização dos
"300 picaretas" da Câmara dos Deputados, e a aguda sensibilidade com a condição de vida dos mais pobres, expressa
no compromisso de dobrar, em quatro
anos, o poder aquisitivo do salário mínimo.
Não é fácil entender por que o presidente se manteve com tanta rigidez em
sua posição original de apenas repor a
inflação e acrescentar 1,2% de aumento
real, repetindo o que havia feito no ano
passado. Do ponto de vista dos recursos
disponíveis, o crescimento da arrecadação de janeiro a maio e sua projeção para o ano -5,5%, em valores reais-
apontam para um excesso de arrecadação de, pelo menos, R$ 6 bilhões, mais
do que o suficiente para cobrir os R$ 2,1
bilhões necessários à concessão de R$ 15
no salário mínimo.
Fazendo um comparativo com o governo anterior, no primeiro mandato de
FHC o reajuste real, descontada a inflação, foi de cerca de 20%, o mesmo acontecendo no segundo mandato (vide Folha do último dia 24). Comparando
com o valor da cesta básica de São Paulo, medido pelo Dieese, enquanto em
1994 o salário mínimo não comprava
uma cesta básica, em 1995 comprava
1,08 e, em 2002, comprava mais de uma
cesta e meia (1,53). Agora, após dois
anos, o poder de compra do mínimo está estagnado. Com o valor de R$ 260,
apenas se mantém o índice de 1,53.
Diferentemente da antiga oposição,
que nunca apresentou as fontes de custeio, o que propusemos -factível, justo
e coerente com a nossa responsabilidade política e com o nosso passado- foi
dar continuidade, e na mesma velocidade, à recuperação do valor do mínimo
havida durante o governo anterior. Ainda que modesta, era -e é- a possível.
O governo Lula sai do episódio enfraquecido. Perde sua autoridade moral e
sua autoridade política. Já está pagando
caro por erros do início do governo,
quando inchou e alimentou os partidos
fisiológicos, dando-lhes um desproporcional poder de barganha. Torna-se, cada dia mais, refém deles.
Para vencer, Lula usou não só o instrumento da liberação de emendas parlamentares já inscritas no Orçamento,
que deveria ser automático (sem toma-lá-dá-cá), como também, mais grave,
entregou cargos importantes a indicados, sem qualificação adequada, pelos
principais líderes de sua base política.
O que se poderá esperar da administração federal e da gestão dos recursos
públicos?
Lula atira pela janela o discurso do salário mínimo como importante fator de
distribuição de renda, sabendo que o
mesmo diz respeito, diretamente, à
qualidade de vida de mais de 40 milhões
de pessoas. Seu novo discurso (e justificativa) é que outros programas, puramente assistenciais, são mais eficazes no
combate à pobreza. Ignora que a Previdência Social é responsável pelo gasto
de 80% do total dos programas de distribuição de renda.
No discurso de encaminhamento da
votação do mínimo na Câmara, o líder
do PT, deputado Arlindo Chinaglia,
afirmou que a oposição não estava propondo um salário mínimo digno, estava
apenas querendo derrotar o governo. Se
fizéssemos como o PT, no passado, propondo US$ 100 ou números ainda superiores, estaríamos sendo dignos e responsáveis? E se o mínimo de R$ 275 não
é digno, o de R$ 260 é?
Em nenhum momento da discussão o
governo procurou contestar os números apresentados quanto às possibilidades da arrecadação. Limitou-se a encobrir a realidade, abusando do reconhecimento de todos quanto à sensibilidade do presidente aos problemas sociais,
com a frase de efeito: "Se o Lula pudesse
dar um real a mais, não daria?".
Resta saber o que o governo fará com
o excesso de arrecadação. Cremos que,
repetindo o ano passado, o governo
pretende realizar um superávit primário, sem formalizá-lo, superior aos
4,25% estabelecido no Orçamento.
O que mais nos preocupa é a questão
da governabilidade. O presidente Lula
tem a seu favor o fato de haver impedido qualquer aventura dos seus companheiros. Porém vem perdendo o respaldo e mesmo a confiança e o respeito de
sua gente. Vive o conflito interno de seu
partido, entre o ser e o não ser, e, no governo, a luta interna pelo poder. Apóia-se no que há de pior na política nacional, a direita conservadora, conforme
confirma o ministro José Dirceu, e não
consegue impedir a transformação do
aparelho de Estado em instrumento de
busca de recursos para o acesso ou a
manutenção do poder.
A vitória na Câmara não contribui para superar todos esses problemas. Pelo
contrário, agrava-os.
Alberto Goldman, 66, é deputado federal pelo
PSDB-SP. Foi ministro dos Transportes (governo
Itamar Franco) e secretário da Administração do
Estado de São Paulo (governo Quércia).
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