São Paulo, quinta-feira, 26 de junho de 2008

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CARLOS HEITOR CONY

Butterfly

RIO DE JANEIRO - Em São Paulo, nas comemorações do centenário da imigração japonesa, foi encenada uma das óperas mais populares do repertório lírico, baseada numa peça de David Belasco, roteirizada por Giuseppe Giacosa e Luigi Illica e musicada por Giacomo Puccini.
"Madama Butterfly" é uma peça controvertida, são fartos os temas melodiosos, tornando-a de fácil apreensão e indo fundo na emoção das platéias. Quanto ao libreto, já foi comparado a uma pré-estréia da bomba atômica em Nagasaki -onde se desenrola o drama de Cio-Cio-San, uma gueixa tradicional, e o tenente B.F. Pinkerton, da Marinha dos Estados Unidos.
O estrago feito pelo oficial norte-americano na frágil Butterfly é trágico: depois do amor, o filho sem pai, o abandono, o haraquiri final. "Con onor muore chi non puó serbar vita con onore".
Na literatura brasileira, temos alguma coisa parecida. Em "Iracema", de José de Alencar, o mesmo confronto de duas culturas em choque, o próprio nome (Iracema) sendo um anagrama de América.
Descontada a maravilha melódica, inspirada em parte nos diversos temas japoneses que se destacam na partitura, não entendo como o Japão pode apreciar um espetáculo tão cruel para com suas tradições. Contra seu modo de ser no mundo, radicalmente contrário à leviandade sibarita de um oficial norte-americano que em cena dá a impressão de um extraterrestre pousado numa colina de onde se avista o porto de Nagasaki.
Os entendidos explicam que a ópera assinala o fim do Japão feudal, os bonzos, os contratos de casamento por 999 anos, o haraquiri como solução para a honra perdida.
Melodrama à parte, salva-se a delicadeza da música de Puccini. Mas, se eu fosse japonês, detestaria a fragilidade de uma gueixa de 15 anos.


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