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ANTONIO DELFIM NETTO
Ciência e ideologia
A TEORIA econômica está
longe de ser um conhecimento em que as disputas
podem ser resolvidas por experimentos bem definidos e reproduzíveis. Ela é dividida em "escolas",
quase religiões. Todas têm o mesmo Deus (um agente representativo racional que maximiza seu bem-estar movendo-se por incentivos
que produzem o equilíbrio no mercado), mas seus profetas o interpretam diferentemente. Cada uma
delas esconde generosa contribuição ideológica, mas isso não significa que o conhecimento econômico
é irrelevante para a formulação de
boas políticas. Pelo contrário, ele é
fundamental para ajudar a construir uma sociedade onde três valores essenciais, mas não inteiramente compatíveis, possam ser
realizados: igualdade de oportunidades, liberdade individual e eficiência produtiva.
Devido à forma de ser da sua
ciência, os economistas têm uma
forte tendência a enfrentar suas
questões ou com enorme arrogância (Eu sou o portador do "verdadeiro" conhecimento: veja minha
matemática e minha econometria.
Você é uma fraude!) ou com fantástico desvio ideológico (Eu conheço
o mundo e o seu destino. Você pertence ao clube dos que se divertem
com fantasias matemáticas inférteis que não levam em conta a
"vontade política"!).
Essas duas tendências emergem
com vigor na discussão sobre a taxa
de câmbio que agora se processa.
Todos têm, aparentemente, bons
argumentos. Uns dizem que ela é
produto da "oferta" e da "procura"
de "divisas": é o "preço" que produz
a maior eficiência produtiva. Logo,
o melhor a fazer é aceitá-la como é
e deixar o Estado de fora. Trata-se
de uma obviedade que não explica
nada, a não ser quando se explicita
o que está por trás da "oferta" e da
"procura". Aí se vê que ela depende
tanto da economia real como da
política monetária que constrói o
diferencial entre a taxa de juro interna e externa.
Outros -com também bons argumentos sugeridos pela experiência histórica- pretendem utilizá-la como instrumento numa política de desenvolvimento, o que exige
uma ativa ação do Estado: o estímulo à exportação cria emprego e
acelera o crescimento e o aumento
da importação torna possível a incorporação do progresso tecnológico e aumenta a produtividade da
economia. Eles diferem, basicamente, na ideologia oculta: os primeiros crêem que o "mercado"
com sua "mão invisível" resolverá
um dia o problema do crescimento;
os segundos crêem que ele precisa
da ajuda da "mão visível" do Estado
para realizá-lo.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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