São Paulo, quarta-feira, 26 de julho de 2006

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ANTONIO DELFIM NETTO

Ciência e ideologia

A TEORIA econômica está longe de ser um conhecimento em que as disputas podem ser resolvidas por experimentos bem definidos e reproduzíveis. Ela é dividida em "escolas", quase religiões. Todas têm o mesmo Deus (um agente representativo racional que maximiza seu bem-estar movendo-se por incentivos que produzem o equilíbrio no mercado), mas seus profetas o interpretam diferentemente. Cada uma delas esconde generosa contribuição ideológica, mas isso não significa que o conhecimento econômico é irrelevante para a formulação de boas políticas. Pelo contrário, ele é fundamental para ajudar a construir uma sociedade onde três valores essenciais, mas não inteiramente compatíveis, possam ser realizados: igualdade de oportunidades, liberdade individual e eficiência produtiva.
Devido à forma de ser da sua ciência, os economistas têm uma forte tendência a enfrentar suas questões ou com enorme arrogância (Eu sou o portador do "verdadeiro" conhecimento: veja minha matemática e minha econometria.
Você é uma fraude!) ou com fantástico desvio ideológico (Eu conheço o mundo e o seu destino. Você pertence ao clube dos que se divertem com fantasias matemáticas inférteis que não levam em conta a "vontade política"!).
Essas duas tendências emergem com vigor na discussão sobre a taxa de câmbio que agora se processa.
Todos têm, aparentemente, bons argumentos. Uns dizem que ela é produto da "oferta" e da "procura" de "divisas": é o "preço" que produz a maior eficiência produtiva. Logo, o melhor a fazer é aceitá-la como é e deixar o Estado de fora. Trata-se de uma obviedade que não explica nada, a não ser quando se explicita o que está por trás da "oferta" e da "procura". Aí se vê que ela depende tanto da economia real como da política monetária que constrói o diferencial entre a taxa de juro interna e externa.
Outros -com também bons argumentos sugeridos pela experiência histórica- pretendem utilizá-la como instrumento numa política de desenvolvimento, o que exige uma ativa ação do Estado: o estímulo à exportação cria emprego e acelera o crescimento e o aumento da importação torna possível a incorporação do progresso tecnológico e aumenta a produtividade da economia. Eles diferem, basicamente, na ideologia oculta: os primeiros crêem que o "mercado" com sua "mão invisível" resolverá um dia o problema do crescimento; os segundos crêem que ele precisa da ajuda da "mão visível" do Estado para realizá-lo.


dep.delfimnetto@camara.gov.br

ANTONIO DELFIM NETTO
escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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