São Paulo, quinta-feira, 26 de julho de 2007

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KENNETH MAXWELL

Gestos que ficam

NA POLÍTICA , uma semana equivale a uma vida, disse Churchill. Os altos e baixos na vida política podem ser muito próximos, como ele bem sabia. Sua carreira política teve enormes fracassos, assim como enormes conquistas, admiração pública assim como repúdio público. Às vezes esse momento de transição é registrado em uma imagem que capta o clima geral, ou dá rosto a uma mudança profunda da opinião pública; essas imagens se impõem instantaneamente e permanecem fixadas indelevelmente na consciência do público.
Essas imagens-paradigmas podem ser boas e felizes: o beijo do jovem marinheiro em sua bela companheira na Times Square em Nova York no fim da Segunda Guerra Mundial. Ou podem ser imagens feias e chocantes: a garota vietnamita nua correndo em nossa direção com seu corpo frágil queimado pelo napalm. Uma vez vistas, essas imagens não são esquecidas.
A fotografia dominou esse mercado particular no último século e meio. Mas a internet e o YouTube acrescentaram um refinamento importante ao cardápio. Imagens em movimento que podem ser difundidas instantânea e repetidamente em infinitas redes virtuais que não exigem vigias de portões e têm milhares de ávidos divulgadores; tudo isso é muito ruim para os políticos apanhados em reações privadas a acontecimentos públicos. Portanto, não causa surpresa que no início desta semana houvesse mais páginas da web dedicadas a Marco Aurélio Garcia e seu agora infame gesto do que ao novo lançamento de Harry Potter.
Os sinais manuais são especialmente abertos a erros de interpretação - algo que o astuto Churchill bem sabia. Seu famoso sinal do "V" tinha um forte duplo sentido. Ele transmitia a afirmação, nas horas mais sombrias, de que a vitória seria alcançada um dia, mas também transmitia um desafio obsceno muito parecido com o gesto do professor Garcia na semana passada; tudo depende da direção da mão e dos dois dedos.
Mas é claro que a verdadeira questão aqui não é o gesto do professor Garcia. É seu momento e sua justaposição com o local do acidente ainda fumegante em Congonhas; uma combinação de cálculo político e tragédia humana que capta instantaneamente as mais profundas preocupações da população sobre as motivações e a competência de seus governantes. Não foi, portanto, uma boa semana para o Planalto. Esse é um gesto que vai ficar.
Como disse Napoleão Bonaparte depois de sua retirada de Moscou: "Do sublime ao ridículo há apenas um passo".

kmaxwell@fas.harvard.edu

KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.


Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES.


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