São Paulo, sábado, 26 de agosto de 2000


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LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Plebiscito nacional: a vida e a dívida

1) O plebiscito ou a consulta popular faz parte da sociedade democrática, que solicita o pronunciamento do povo nas questões mais relevantes que lhe dizem respeito. A convocação de plebiscitos está prevista na nossa Constituição (art. 14).
2) O problema da dívida externa e interna vem sendo estudado, há anos, por várias organizações da sociedade civil e foi tema da 3ª Semana Social Brasileira. A CNBB, em colaboração com o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs -Conic, a OAB e aproximadamente 50 entidades da sociedade civil promovem, de 2 a 7 de setembro, uma consulta popular em todo o país. Essa iniciativa tem a finalidade de levar o debate à opinião pública e alertar sobre as consequências negativas das dívidas, externa e interna, para a vida do povo.
O plebiscito nacional apresenta o lema "A vida acima da dívida", questiona o acordo com o FMI e o ônus criado pelo pagamento das dívidas externa e interna no Brasil e propõe uma auditoria pública -objetiva e transparente- que examine a complexidade da situação.
3) A principal razão desse debate é ética. Com efeito, o pagamento da dívida externa e interna impõe uma sobrecarga de obrigações à sociedade:
a) O dinheiro necessário a políticas sociais (moradia, aumento de empregos, educação, atendimento à saúde, assentamentos e outros) passa a ser aplicado para amortizar a dívida e pagar os elevados juros e encargos resultantes. Há, assim, cortes nas políticas sociais. Em 1999, o governo federal gastou US$ 127 bilhões para juros e amortizações. Isso representa 44% das receitas do Orçamento. Essa soma seria suficiente, por exemplo, para assentar 5 milhões de famílias de agricultores. b) O endividamento externo aumenta a dependência econômica do país e a perda da soberania com submissão às estratégias internacionais do capital financeiro.
4) Essa situação de progressivo empobrecimento e dependência agrava ainda mais a vida das nações devedoras. Por isso, o papa João Paulo 2º, na carta apostólica "Advento do Terceiro Milênio" (1994), propõe que o Grande Jubileu seja "um tempo oportuno para pensar numa consistente redução ou mesmo no perdão total da dívida internacional que pesa sobre o destino de muitas nações" (1994, nº 51). E, no documento "Ecclesia in América" (1999, nº 59), afirma que "a Igreja não pode ignorar um problema complexo que se refere à vida de tantas pessoas". O que está em questão, portanto, é a vida e a necessidade de salvaguardá-la.
5) Surge, assim, a proposta da "auditoria pública" sobre a dívida que deverá examinar a razão do empréstimo, a justiça dos juros e a aplicação dos recursos. Caberá ao governo e às instâncias da sociedade organizativa estabelecerem a possibilidade efetiva de pagamento da dívida, sem lesar mais a nação já tão prejudicada pela corrupção e pelas privatizações alienadas a preços baixos.
6) O plebiscito será indicativo do amadurecimento democrático do país e abre esperanças de que o governo brasileiro, diante da evidência dos fatos e da expectativa da sociedade, fortaleça em suas decisões o resgate da dívida social e a soberania nacional. No dia 7 de setembro, ecoará o "grito dos excluídos", anunciando "Progresso e vida, pátria sem dívidas".
Dizer sim à vida é comprometer-se, diante de Deus, com uma nova ordem social, marcada pela fraternidade de quem renuncia a privilégios, aprende a partilhar e promove a sociedade solidária.


D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.


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