São Paulo, segunda-feira, 26 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BORIS FAUSTO

Política e futebol

Nos países da América Latina -e não só neles- sempre houve uma estreita relação entre a política e os êxitos ou fracassos das seleções nacionais de futebol.
Ficando nos piores exemplos, lembro os casos dos títulos mundiais conquistados pelo Brasil em 1970 e pela Argentina em 1978. No primeiro deles, seria exagero dizer que o prestígio da ditadura encarnada no general Médici foi assegurada pelo triunfo brasileiro. Mas, se outros fatores menos efêmeros devem ser levados em conta, especialmente o "milagre econômico", não há dúvida de que o feito se associou às "façanhas" do regime.
No caso argentino, um título conquistado em circunstâncias no mínimo duvidosas -estou me referindo à goleada sofrida pelo Peru, resultando na eliminação do Brasil- levou à euforia a imensa maioria da população do país, não obstante os horrores daquela época, sob a ditadura assassina do general Videla.
Deixemos esses tempos trágicos para trás e lembremos os dias atuais, em que, felizmente, impera a democracia. Muita gente imaginou que a vitória do Brasil na Copa do Mundo deste ano contribuiria para o avanço da candidatura governista. Não foi o que aconteceu. Não se explorou essa possível conexão na extraordinária festa realizada em Brasília ou, ao que eu saiba, em qualquer outro local. O público brasileiro soube distinguir entre os feitos do esporte e o mundo da política, um fato em si mesmo positivo, quaisquer que sejam nossas preferências partidárias.
Passaram-se menos de dois meses até a realização do primeiro jogo da seleção brasileira, após a Copa, em Fortaleza. Seria preciso ser muito ingênuo para ignorar que a partida tinha por objetivo principal promover a candidatura de Ciro Gomes, por iniciativa de Ricardo Teixeira, presidente da CBF, e dos amigos da bancada da bola. Basta passar os olhos na foto publicada na primeira página desta Folha (22/8) para dissipar qualquer dúvida. Nela surgem sorridentes Ciro e Tasso, olhando a camisa 10 da seleção, exibida por Scolari, enquanto Kaká e Cafu, curiosamente, aparecem na cena de cara séria.
O tiro propagandístico saiu pela culatra. O que se viu em campo jogou um balde de água fria nas expectativas. A razão é óbvia. Os promotores do espetáculo podiam muito, mas não a ponto de obrigar jogadores brasileiros desmotivados a se esforçarem de verdade. Afinal de contas, a maioria deles -quem pode culpá-los?- está com os olhos postos no início dos campeonatos europeus ou, em alguns casos, na possibilidade de transferências milionárias.
Também não era possível abafar o brio dos paraguaios, desejosos de "carimbar" a faixa dos campeões do mundo. A derrota veio acompanhada das vaias do público e dos gritos até injustos pela volta de Romário.
Não sei se o fato contribuiu ou não para diminuir os índices da candidatura Ciro. Mas certamente foi um episódio melancólico, uma tentativa escancarada de extrair dos êxitos esportivos vantagens políticas, que o grande público vem repelindo.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.



Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: A insatisfeita
Próximo Texto: Frases
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.