|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Contra a minirreforma
MARCOS CINTRA
O presidente Fernando Henrique
Cardoso, de dedo em riste, acusou
o Congresso Nacional de não fazer a reforma tributária. Nada mais falso. A Câmara dos Deputados sempre se dispôs a
analisar propostas coerentes e tecnicamente corretas, princípios estes a que a
chamada minirreforma não atende.
O governo passou oito anos se omitindo de discutir seriamente a reforma tributária e, agora, pressiona o Congresso
para aprovar o fim da cumulatividade
do PIS, parte do que se convencionou
chamar de minirreforma tributária.
Ameaça dizendo que, caso o projeto
não seja aprovado até o final de agosto,
irá editar uma medida provisória para
eliminar o PIS em cascata e, numa segunda etapa, encaminhar o mesmo tratamento à Cofins.
O texto final apresentado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados
visa criar um PIS de 1,65%, incidente sobre o valor agregado da atividade produtiva, para substituir o atual, de 0,65%,
cobrado sobre o faturamento.
Além de profundamente injusto para
os prestadores de serviços, que terão
grande aumento de carga tributária,
uma reforma parcial do regime fiscal
brasileiro agrava as suas notórias distorções. Se o sistema já é um verdadeiro
Frankenstein, alterações pontuais e dirigidas a atender interesses específicos,
como faz a minirreforma, tornarão a
economia brasileira ainda mais incompreensível e irracional do que já é.
Empreender uma reforma tributária
requer coerência e organicidade. Para
mudar um fundamento básico da economia, como a estrutura de impostos, é
preciso promover um sistema de perdas
e ganhos compensados entre os vários
agentes sociais, de modo a evitar vetos e
coalizões contrárias à própria reforma.
A implementação da reforma requer
começo, meio e fim, que o governo insiste em não observar.
A tabela nesta página (Simulação do
PIS proposto) compara a atual sistemática com a proposta do PIS sobre o valor
agregado de 1,65%. Em ambos os casos
foram consideradas empresas que adquirem diferentes frações de insumos e
ofertam bens e serviços.
Como se vê, uma firma que compra
insumos no valor de $ 10 e agrega $ 90
em seu processo produtivo, teria um
crédito do PIS de $ 0,16, e o PIS a desembolsar somaria $ 1,48. Por outro lado,
uma empresa que compra $ 90 de matéria-prima e agrega $ 10 teria um crédito
do PIS de $ 1,48, e $ 0,16 desse tributo a
pagar. Resumindo, no primeiro exemplo, a empresa mais que dobraria seu
desembolso com o PIS ($ 0,65 para $
1,48), enquanto a última teria uma redução de quase 75% ($ 0,65 para $ 0,16).
Qualquer empresa que agregue valor
acima de 40% do preço final arcará com
aumento da carga tributária. A minirreforma introduzirá ganhos e perdas significativos, os preços relativos da economia serão alterados e as distorções
distributivas e alocativas ampliadas.
O primeiro caso é típico do setor de
serviços. Profissionais liberais e empresas prestadoras de serviços de saúde, de
educação, de limpeza, de segurança etc.
teriam seus custos tributários elevados
com o sistema proposto, uma vez que a
aquisição de insumos no setor de serviços representa uma fração relativamente pequena de seus preços finais, gerando pouco crédito com o PIS.
Durante os debates da comissão, sugeri que os prestadores de serviços fossem excluídos da sistemática proposta,
uma vez que o setor seria extremamente
prejudicado. Os trabalhos acabaram
evoluindo de modo que o relator não
acatou os argumentos. O setor de serviços acabou mantido no universo dos
contribuintes do PIS não-cumulativo.
A proposta de mudança na sistemática do PIS demanda uma união de forças
por parte das entidades representativas
do setor terciário. O segmento, já duramente castigado em termos fiscais, vai
arcar com uma carga de impostos muito mais pesada que a atual, caso o projeto do PIS não-cumulativo seja aprovado. O mesmo problema se apresenta
aos setores que, por uma ou outra razão, adquirem insumos ou serviços de
não-contribuintes do PIS, como a
agroindústria, que compra matérias-primas dos produtores rurais.
Visando alterar o texto apresentado
pela comissão, apresentei um destaque,
assinado pela bancada do PFL, excluindo os prestadores de serviços da sistemática proposta. A expectativa é que os
representantes do setor se mobilizem
para que se possa derrubar esse projeto
altamente prejudicial ao setor. O segmento de serviços é uma das atividades
que mais cresce no país.
O governo argumenta que a minirreforma vai desonerar as exportações e a
produção em geral. Isso é besteira. As
exportações já são desoneradas do PIS e
da Cofins, e a história de que tributo sobre valor agregado desonera a produção é balela. Hoje a cumulatividade é
um fato no sistema tributário brasileiro,
até quando se trata de impostos como o
ICMS, em alguns setores de serviços e
de agronegócios, que não contabilizam
créditos em suas operações.
O Brasil precisa é de uma reforma tributária ampla, que acabe com a atual estrutura complexa e de alto custo para o
setor produtivo e que promova um sistema de impostos mais justo e eficiente.
São esses os princípios que devem reger
a tão sonhada reforma tributária, e isso
não será obtido penalizando os prestadores de serviços. Por isso, voto contra a
minirreforma tributária.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 56,
doutor em economia pela Universidade de Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da
FGV-SP, é deputado federal pelo PFL-SP.
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Artur da Távola: Do paradigma mecanicista ao holístico Índice
|