São Paulo, segunda-feira, 26 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Do paradigma mecanicista ao holístico

ARTUR DA TÁVOLA

O grande físico patrício Marcelo Gleiser, em visita ao Brasil, deu-se ao trabalho de publicar cá na Folha um respeitoso artigo ("Profissão: astrólogo?", Mais!, pág. 22, 28/7) contrário ao meu projeto de regulamentação da profissão de astrólogo, que visa coibir a charlatanice que medra no setor, ao lado da seriedade dos estudos e trabalhos de pessoas respeitáveis do mesmo. Preciso dar-lhe a resposta nos termos que colocou, os científicos. Faço-o em respeito a ele, com a certeza de que escreveu por ouvir falar, e não por haver lido o referido projeto.
Observa-se, no artigo dele, o rodar do mesmo velho disco: "nenhum cientista foi consultado". Como se fora a ciência até hoje atrelada a Newton, Descartes e Freud, pleiteando uma unanimidade petrificada que há muito se perdeu. Observa-se também o desgastado preconceito, advindo de um afastamento patriarcal de formação e vinculado à ignorância (do ato de ignorar) específica diante da amplitude do assunto.
Endosso o pensamento do médico e cientista suíço Carl Gustav Jung, que já há muito rompeu com tal pretensa "unanimidade científica" freud-newton-cartesiana do absolutismo de um pensamento divorciado do sentimento e da intuição.
Da mesma forma que os freudianos se detêm à contingência e voluntariamente se lhes escapa o senso do sentido profundo, os críticos superficiais da astrologia e dos métodos mânticos se enganam ao reduzir as analogias arquetípicas existentes entre o sistema planetário e o modelo humano e os acontecimentos a meras interpretações mecânicas dos movimentos dos corpos celestes e das constelações. A crença na existência de um significado sobrenatural para os céus não é necessariamente astrológica.
Não é bem assim, nem é por aí.
Carl Jung, em sua vasta sabedoria e respaldo científico, por exemplo, também escreveu em face da magnificência cósmica: "Se o não-sentido prevalecesse, o aspecto racional desapareceria".
A separação entre a astrologia e a astronomia não depõe em desfavor de nenhuma delas e pode ser comparada à separação existente entre a alquimia, que evoluiu para a psicologia analítica, e a química. Não postulam os melhores astrólogos nenhuma evidência quantitativa de que planetas e estrelas possam influenciar o comportamento de pessoas aqui na Terra. A astrologia não é uma crença, porém um precioso elenco, parte ciência, parte arte, parte religiosidade.


Volta à Idade Média é a unilateralidade e a intransigência de pretender impor verdades freudianas limitadas


Astrologia e bons astrólogos têm sua própria competência e idoneidade.
Inútil é, friso, ataque à astrologia atado a pensamento e percepção, ignorando sentimento e intuição. O mesmo se diga dos métodos mânticos (quiromancia, runas, numerologia, baralho cigano, cristais, tarô, búzios etc.).
Nossa própria cultura tão mais valorizada seria se não nos tivéssemos distanciado tanto da sabedoria ancestral dos indígenas brasileiros.
Persiste a física uma ciência, se não consegue mais definir nem o que seja a matéria? Onde está a validação empírica do que ocorre dentro do átomo e que se concilia com a sabedoria oriental de 500 ou mais anos antes de Cristo? Com a palavra os cientistas...
Volta à Idade Média, a nosso ver, é a unilateralidade e a intransigência de pretender impor verdades freudianas limitadas, destituídas de visão holística, cegas à sabedoria do Oriente; de se restringir, sem nem disso ter sequer consciência, a um radical patriarcado agonizante, como se imaculado fosse.
Nunca, sob a cangalha freudiana, esperando a anulação de sentimento e intuição mercê de simples idéias sob a função pensamento, chegar-se-á à compreensão das maravilhas e verdades astrológicas e dos métodos mânticos.
O horóscopo de 12 signos é uma supersimplificação. Na verdade, cada ente humano é um signo conciliando o limite matemático de se multiplicarem os 12 signos solares pelos 12 "chineses", pelos 12 ascendentes solares, pelos 12 ascendentes "chineses" e progressivamente pelos múltiplos aspectos. A leitura do mapa astrológico se encontra muito mais próxima da verdade astrológica do que um horóscopo de 12 signos.
Constatamos, na verdade, que a divergência existente se associa mais a estados de consciência, aspectos associados e suas consequências do que propriamente a idéias, pelo fato de não poderem ser reduzidas a meras idéias intelectuais todas as luzes do conhecimento que abrange entendimento mais amplo.
Além de recomendar-lhe a leitura de Jung, sugiro-lhe, ademais, aduzir a seus vastos conhecimentos algumas leituras de antroposofia. E lembro, ademais, que entre meus projetos está também o da regulamentação da profissão de filósofo. Mas este não trará polêmica. Por certo terá o aval da ciência ocidental, mecanicista.


Artur da Távola, jornalista e escritor, é senador pelo PSDB-RJ e líder do governo no Senado.



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