|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Até quando?
RIO DE JANEIRO - Reclamam dos jornais que só publicam atos ou fatos
extraordinários. Quem sai de casa
para o trabalho e volta, sem ser assaltado, assassinado, roubado ou seqüestrado, não merece notícia nem
comentário.
Na semana passada, junto ao meu
escritório, aqui no Rio, um senhor
grisalho foi assaltado por dois rapazes. Reagiu como pode, mas pode
pouco: um dos jovens deu-lhe um tiro
na cabeça, morte fulminante. O corpo ficou na calçada durante horas.
Nenhuma nota nos jornais ou nos
noticiários das rádios e das TVs. Não
foi um ato nem um fato que merecesse notícia. O corpo ensangüentado na
calçada era tão natural como a própria calçada.
No mesmo dia, indo a São Paulo,
tomei um táxi em Congonhas e reparei que o motorista estava trêmulo,
sem condições de dirigir. Quis mudar
de carro, mas ele me tranqüilizou, pediu um tempo, garantiu que logo estaria bem.
Durou pouco a crise do motorista.
Levou-me para o hotel, mas me contou. Momentos antes, numa das ruas
próximas ao aeroporto, ele escapara
por pouco de um tiroteio que deixou
dois mortos no asfalto. Sem que eu
pedisse, desviou-se do itinerário habitual, passou novamente pela tal
rua e me mostrou: os dois corpos lá
estavam, cobertos por jornais. Desconfiei que ele queria provar que não
mentira, que não inventara aquelas
mortes.
Nenhuma notícia. É evidente que
as delegacias da jurisdição anotaram
os dois crimes, solicitaram a remoção
(certamente tardia) para o Instituto
Médico Legal. Tudo rotina.
Bem verdade que, nos dois casos,
havia pessoas em volta dos corpos.
Brevemente, nem isso. Olharão por
olhar, mas sem escândalo ou pasmo.
Logo seguirão caminho, que a vida é
assim mesmo, uns morrem e ficam
na calçada, outros vão para o trabalho e, se não tombarem em outra calçada, voltarão para casa.
Sim, mas até quando?
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: A oposição tiririca Próximo Texto: Otavio Frias Filho: Vargas, de novo Índice
|