São Paulo, quinta-feira, 26 de agosto de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O dever de investigação criminal

MARCO VINICIO PETRELLUZZI

A guarda-se a retomada, pelo STF, de julgamento que decidirá sobre a constitucionalidade de diligências investigatórias envolvendo membros do Ministério Público. Essa será uma decisão histórica da corte, em torno da qual a sociedade civil brasileira vem se mobilizando.
Na verdade, em vez de decidir se o Ministério Público pode ou não promover diligências investigatórias, a Suprema Corte estará decidindo se a Constituição atribuiu ou não, às forças policiais, o monopólio da investigação criminal.


A defesa do monopólio da investigação criminal não atende ao aprimoramento das instituições democráticas


Do ponto de vista estritamente jurídico, parece-me inquestionável que a Constituição Federal não outorgou o monopólio da investigação para a polícia civil. Se é verdade que a Constituição afirma que "incumbem" às policias civis as atividades de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais, também é verdade que, logo em seguida, a Carta Constitucional, usando a mesma expressão, afirma que "incumbe" aos corpos de bombeiros militares as atividades de defesa civil, e, até agora, ninguém ousou afirmar que é vedado, por exemplo, às prefeituras tomar medidas para auxiliar a população em caso de calamidade pública, porque a Constituição teria garantido aos bombeiros militares o monopólio dessas atividades.
Se faltam boas razões jurídicas aos defensores do monopólio, do ponto de vista substantivo carecem eles de qualquer fundamento. É preciso discutir se a presença desse monopólio atende aos interesses maiores do povo brasileiro. E a resposta é, certamente, não. Todos sabemos que, em certas situações, a polícia -que, diga-se, presta bons serviços à nação brasileira- tem dificuldades para conduzir a investigação. Essas dificuldades, muitas vezes, decorrem da circunstância, por todos conhecida, de que os policiais não possuem o mesmo grau de independência funcional de que se encontram investidos os promotores. Mais, ante a participação eventual de policiais no concerto criminoso, é de todo desejável que diligências investigatórias possam, também, ser conduzidas por outra instituição.
Aqueles que se posicionam contrariamente à atividade investigatória do Ministério Público argumentam sempre com a patologia, recordando casos isolados em que a conduta de determinado membro do MP foi inadequada. Esse argumento, evidentemente, não é sério e não pode ser levado em conta. Patologias existem em todos os segmentos profissionais e sociais. Se a patologia é o melhor argumento contra a presença do Ministério Público na investigação criminal, seria mais apropriado, então, que a extinguíssemos. Afinal nenhuma instituição é composta apenas de pessoas que agem estritamente conforme o interesse público.
Outro argumento sempre utilizado é o de que o Ministério Público somente se interessa por casos que têm repercussão na mídia. Ora, a repercussão é dada pelo interesse jornalístico, que sempre está associado à investigação de grandes escândalos que envolvem personalidades públicas. E é justamente nesses casos, em que a impunidade sempre foi a regra, que tem sido fundamental a presença do Ministério Público. O MP deve investigar onde a impunidade está.
O sistema de investigação criminal deve evoluir. A defesa do monopólio da investigação criminal não atende ao aprimoramento das instituições democráticas. Quem se posiciona contra essa evolução, objetivamente, assume posição reacionária, lutando contra o avanço e o aperfeiçoamento da Justiça Criminal. O Ministério Público, como instituição à qual foi entregue a exclusividade do exercício da ação penal pública, para cumprir com o papel que a Constituição lhe reservou, tem não apenas o direito, mas sobretudo o dever de investigar, quando dessa investigação depender o sucesso de sua atuação em juízo.
É certo que a investigação pelo MP, como toda atividade pública, deve ser submetida a controles de natureza interna e externa, de caráter institucional e jurisdicional. Aliás, em nenhum momento lideranças do Ministério Público se posicionaram contra esse tipo de controle, que deve ser discutido e explicitado. Nesse sentido, é importante recordar que o MP nunca resistiu à instituição de seu controle externo e o entende, igualmente, como um importante avanço democrático.
Por fim, o que se espera é que o Supremo Tribunal Federal decida, exercendo na plenitude as funções de órgão supremo do Poder Judiciário brasileiro, que deve, acima de tudo, observar os interesses maiores da nação.

Marco Vinicio Petrelluzzi, 48, é procurador de Justiça. Foi secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo (governo Mário Covas, segundo mandato).


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