São Paulo, sexta-feira, 26 de agosto de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Fundações "de apoio" à USP em xeque

CÉSAR AUGUSTO MINTO, JOÃO ZANETIC e PEDRO ESTEVAM DA ROCHA POMAR

Há algo de errado no reino das fundações privadas autoproclamadas de apoio à USP. Volta e meia elas se vêem compelidas a reafirmar à opinião pública suas alegadas virtudes, ao mesmo tempo em que omitem as verdadeiras motivações de seus atos.
É o caso do artigo "As fundações e o apoio às universidades", publicado nesta página pelo professor Giovanni Guido Cerri, em defesa da Fundação Faculdade de Medicina, ou FFM (dia 9/8). O autor escamoteou dos leitores duas informações essenciais. A primeira: a FFM, por possuir o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, deixa de recolher ao INSS dezenas de milhões de reais por ano, referentes à cota patronal devida -segundo estimou o diretor-geral da fundação, a isenção propiciada pelo certificado "representa R$ 34 milhões anuais de impostos patronais". A segunda: o INSS solicitou ao Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), em março de 2004, que não renove tal certificado, por entender que a FFM não tem caráter filantrópico.


O sistema de fundações privadas desnatura as universidades estaduais e fere seu caráter público, gratuito e de qualidade


Eis a razão de a FFM sair a campo se escudando nas conclusões que lhe são simpáticas da auditoria levada a cabo pela Promotoria de Fundações. Oportuna auditoria, pois o promotor de Fundações se excede em elogios à entidade auditada, atestando supostas qualidades filantrópicas da FFM no preciso momento em que são colocadas em xeque pelo INSS.
O professor Cerri omite dos leitores outra particularidade da atuação da FFM: a imposição da "segunda porta" ao Hospital das Clínicas, vale dizer, a privatização do atendimento, que passou a incluir pacientes de convênios e pacientes particulares -que recebem tratamento "vip" em relação aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), que são a grande maioria.
Para fugir a assuntos tão espinhosos, o professor Cerri (que é presidente do Conselho Curador da FFM) elegeu como mote de seu artigo um falso argumento: que o debate sobre as fundações ditas de apoio à USP tem "focado a gestão dessas instituições em vez de focar sua missão", e que "se centra a discussão em exceções de má gestão para desqualificar todo o modelo institucional".
Ao contrário: é justamente aquilo a que ele chama de "missão" o cerne das críticas ao sistema de fundações privadas que vem desnaturando as universidades estaduais e federais e ferindo o seu caráter público, gratuito e de qualidade. No caso da USP, a própria finalidade das "fundações de apoio" é posta sob suspeita, porque demonstramos que a quase totalidade dessas entidades não repassa ao ente supostamente apoiado mais do que 5% do total arrecadado anualmente. Não se tratam de "exceções de má gestão", mas de um padrão -a regra do sistema.
A maior parte das receitas auferidas por elas tem destinação privada. Seus beneficiários são, freqüentemente, os mesmos que detêm há anos importantes postos de comando na burocracia universitária, mas não se pejam de se queixar da "falta de agilidade" e das "normas excessivamente burocráticas" do setor público.
Portanto, não reconhecemos tal "missão". Algumas das fundações ditas de apoio se queixam em documentos internos dos percentuais um pouco mais elevados que tiveram de pagar à USP nos últimos anos em razão de certas taxas que esta passou a cobrar! Algumas, como a Fundação Instituto de Administração (FIA), depois de amealharem centenas de milhões de reais na última década, tornaram-se tão poderosas que compram imóveis caros em áreas nobres e já oferecem cursos (pagos, evidentemente) sem a chancela da universidade, preparando-se para alçar vôo próprio caso a simulação de "apoio" se torne um fardo para elas.
Felizmente, a Promotoria da Cidadania, do Ministério Público Estadual, move ação contra a USP para que a universidade deixe de patrocinar a indústria de cursos pagos de pós-graduação -quase todos organizados e oferecidos por fundações privadas.
O fato de a apropriação privada de recursos ser, nas fundações atuantes nos hospitais universitários ligados à USP, menor do que nas demais fundações não as torna livres de distorções como as já apontadas aqui. A cobrança que fazem de uma "taxa de gestão" da verba SUS, por exemplo, é ilegal e dá margem a aberrações, como foi a compra de um imóvel do Estado pela FFM, a título de "investimento".
Um empréstimo de 55 milhões de dólares tomado em 1998 pela Fundação Zerbini no Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para construção do Bloco 2 do Incor não foi quitado até hoje. Em vista dos sucessivos déficits da fundação, quem pagará aos cofres públicos a dívida, que atualmente é da ordem de R$ 115 milhões?

César Augusto Minto, 55, professor doutor da Faculdade de Educação da USP, é presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp).
João Zanetic, 62, professor doutor do Instituto de Física da USP, é vice-presidente da Adusp. Pedro Estevam da Rocha Pomar, 48, é editor da Revista Adusp.



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