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RUY CASTRO
Errando no analógico
RIO DE JANEIRO - Outro dia,
uma amiga pediu licença e tirou o
celular da bolsa. Manuseando-o
com abismal intimidade, ouviu recados, pagou uma conta no banco,
acertou um trabalho em São Paulo,
abriu uma foto do namorado, "baixou" uma canção de Sinatra e ligou
para casa para dar instruções à criadagem. Tudo isso em minutos, e
vindo de uma pessoa que, até anteontem, não sabia nem como clicar o botão de "play" da vitrola.
Diante do meu pasmo por sua
atualização tecnológica, ela me disse que usa o celular como computador, internet, câmera, vídeo, cinema, TV, filmadora, MP3, iPod, FM,
videogame e, por fim, telefone. E
não entende como já foi capaz de viver sem aquele treco que faz tudo,
exceto tirar-lhe as cutículas.
Como sou dos três ou quatro no
Brasil que não usam celular, até hoje preciso de máquinas específicas,
ancoradas em consoles, cômodas
ou escrivaninhas, para desfrutar de
tais serviços. Algumas dessas máquinas ainda são equipadas com,
pode crer, válvulas.
Outro dia, abrindo uma página na
internet sem saber para onde ia, deparei com uma frase na tela: "Ruy
Castro está no twitter". Embora estivesse sozinho em casa, olhei em
volta para ver se havia mais alguém
ali com o meu nome. Não, não estou
no twitter. E, sem me gabar ou me
envergonhar, também não tenho
site, blog, MSN, Facebook, Orkut,
MySpace, Last.fm, Ning, Vimeo,
Flickr, Tumblr ou rraurl. Estou para a blogosfera como o presidente
Lula está para a fenomenologia de
Husserl.
Sei bem que, acorrentado ao
mundo analógico, posso logo me
tornar inviável. Mas pretendo evoluir -sem cometer o recente erro
do senador Mercadante. Entusiasta
do twitter, ele prometeu algo no
mundo digital que não cumpriu no
mundo analógico. E deu-se mal,
porque, na vida real, o analógico
ainda é irreversível.
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