São Paulo, Domingo, 26 de Setembro de 1999
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Uma ação social inovadora


O conselho está articulando, de modo transparente, recursos de todos os tipos


RUTH CARDOSO

Diante de definições equivocadas que têm sido levadas à opinião pública, é importante expor as reais atribuições e ações desenvolvidas pelo Conselho da Comunidade Solidária. O trabalho teve início em 1995 e evoluiu com base na constatação de que a sociedade civil contemporânea se apresenta como parceira indispensável de qualquer governo no enfrentamento da pobreza, das desigualdades e da exclusão social.
Passamos, então, a atuar em três grandes linhas: adotando medidas para o fortalecimento da mesma sociedade civil, desenvolvendo a interlocução política sobre temas sociais com diversos atores e criando programas inovadores. Esses programas, marcados por um novo modelo de gestão, oferecem-se como alternativa viável ao mero assistencialismo, caracterizado pela ineficiência e obsolescência de políticas centralizadoras.
E, se os projetos surgiram pequenos, hoje cresceram de forma significativa. O Alfabetização Solidária, por exemplo, começou a atuar em 1997 com 9.200 alunos em 38 cidades. Este ano estará presente em 866 municípios do Norte e Nordeste e nas regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro, beneficiando cerca de 800 mil pessoas.
Mas não são apenas os números que o diferenciam de iniciativas semelhantes. O programa é financiado por meio de parcerias, mantidas entre 55 empresas, pessoas físicas e o MEC, que dividem o custo de apenas R$ 34 por aluno/mês. Todos os cursos são desenvolvidos por cerca de 170 universidades. A continuidade do estudo também é garantida em muitas cidades por cursos supletivos. E, por vezes, o processo de mobilização desencadeado pelo programa em algumas comunidades resulta na formação até de cooperativas de trabalho.
O Capacitação Solidária é outro exemplo. Entre 1996 e 1998, o programa financiou 736 cursos profissionalizantes para 21 mil jovens. No primeiro semestre de 1999, um novo salto: mais mil projetos foram realizados, capacitando 31 mil jovens. Nesse caso, a atividade também não se resume a números. Observe-se que os 1.745 cursos realizados foram propostos por organizações não-governamentais (982 no total), com base em necessidades culturais e econômicas identificadas nas comunidades. Por isso, muitos projetos apresentam propostas incomuns, que jamais seriam contempladas por modelos convencionais de ações profissionalizantes.
Acrescente-se que o processo seletivo dos projetos preparados pelas ONGs é feito por meio de concursos, uma novidade em ações sociais que já está servindo de modelo para outras realizações do gênero. As parcerias também são essenciais ao programa e proporcionam ainda financiamentos de cursos voltados para o fortalecimento das próprias ONGs envolvidas.
O Conselho da Comunidade Solidária também criou o Universidade Solidária, em que estudantes de todo o Brasil desenvolvem atividades educativas em comunidades que vivem em situação de extrema pobreza. O programa também cresceu de tal maneira que, hoje, o trabalho é realizado ao longo de todo o ano e não mais apenas no período de férias. Outra ação exemplar vem sendo adotada pelo Programa Voluntários, que já criou 21 centros de voluntariado em todo o Brasil. Iniciativas como a constituição de uma rede de informações sobre e para o terceiro setor, o Projeto de Apoio ao Artesanato para a Geração de Renda e o Projeto Móvel de Arte e Cultura também têm produzido excelentes resultados.
Sucessivas rodadas de interlocução política promovidas pelo conselho também sugeriram e encaminharam o projeto de lei, posteriormente aprovado pelo Congresso, que criou uma nova categoria jurídica para as entidades que desenvolvem trabalhos na área social, cerca de 250 mil em todo o país. Classificadas como organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips), essas instituições já podem atuar com recursos públicos. Medidas que ampliam a oferta do microcrédito em todo o Brasil também foram implementadas a partir dessa ação convergente de interlocução, reunindo os mais variados setores da sociedade.
É, portanto, pelo conjunto dessas e de outras atividades que o Conselho se apresenta como um instrumento inovador de ação social, em que os projetos e ações são submetidos a constantes processos de avaliação e aprimoramento. Ressalte-se que, apesar de ter sido criado no âmbito de um programa governamental -o Comunidade Solidária-, o conselho não é responsável pelas políticas oficiais da área social, circunscritas aos ministérios, nem se constitui em fundo de financiamento de projetos fragmentados, impostos às comunidades.
Em resumo, além da promoção do debate e da busca da diversidade de idéias, o conselho está articulando, de modo transparente, recursos de todos os tipos, provenientes do Estado, da iniciativa privada e do setor privado sem fins lucrativos (o terceiro setor). Segmentos que, há pouco, ainda eram considerados incapazes de conviver e mais ainda de atuar conjuntamente a favor do desenvolvimento do país.


Ruth Corrêa Leite Cardoso, 69, primeira-dama do Brasil e doutora em antropologia e ciências sociais pela Universidade de São Paulo, é presidente do Conselho da Comunidade Solidária.



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