São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004

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O ATO MÉDICO

Nos corredores do Senado Federal, trava-se uma verdadeira guerra das corporações. De um lado, estão os médicos, que tentam aprovar projeto de seu interesse que define e regulamenta o ato médico. De outro, estão os conselhos federais e regionais de biologia, biomedicina, educação física, enfermagem, farmácia, fisioterapia e terapia ocupacional, fonoaudiologia, nutrição, odontologia, psicologia, serviço social e técnicos em radiologia.
O projeto de lei em discussão, como apresentado pelo ex-senador Geraldo Althoff (PFL-SC), aliás um médico, é inquietantemente corporativo. Para começar, ele torna privativos da classe médica todos os "procedimentos diagnósticos" e "indicações terapêuticas". Segundo os adversários da proposta, o dispositivo impede profissionais não-médicos de atuar sem que o paciente lhes tenha sido encaminhado por um médico.
O texto, de fato, dá margem a essa interpretação. Mas é pouco provável que isso venha a ocorrer no setor privado. A norma, na forma em que está enunciada, não proíbe as pessoas de procurar psicólogos, fonoaudiólogos ou qualquer outro profissional sem indicação terapêutica, se esse for o seu desejo.
No setor público, a situação é um pouco mais delicada. Dependendo de como as chefias de postos e hospitais interpretarem a lei, é possível que se estabeleçam rotinas em que o encaminhamento médico se torne, na prática, obrigatório.
E, por falar em chefias, o projeto original também avança sobre elas. De acordo com o artigo 3º do PLS 25/2002, "as atividades de coordenação, direção, chefia, perícia, auditoria, supervisão e ensino dos procedimentos médicos devem ser unicamente exercidos por médicos".
O senador Tião Viana (PT-AC), que também é médico, escreveu um substitutivo menos radical, que relativiza um pouco a exclusividade dos diagnósticos e prescrições e que deixa claro que médicos podem responder administrativamente a não-médicos. É um avanço, mas não basta para retirar o tom excessivamente corporativista da proposta.
Seus críticos argumentam também, não sem razão, que a filosofia por trás do projeto está ultrapassada. Baseia-se num modelo de atenção à saúde centrado no atendimento clínico, individual e hospitalocêntrico. Mais do que isso, a concepção da proposta contraria conceitos mais modernos como a multidisciplinaridade e a noção de saúde integral.
É o caso de perguntar se a regulamentação do ato médico é, de fato, necessária. Talvez não seja possível definir "a priori" o que cabe exclusivamente a cada profissional, que, de resto, se entendem relativamente bem no dia-a-dia de um hospital. No mais, não parece que a possibilidade de psicólogos, fonoaudiólogos ou outros profissionais fazerem diagnósticos e indicações de tratamento em sua área ameace a sociedade.
Espera-se agora que essas categorias, tendo experimentado os dissabores do corporativismo, revejam seus próprios estatutos, freqüentemente tão corporativos e exclusivistas quanto o que os médicos agora querem impingir-lhes.


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