São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004

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ISLÃ E TERROR

"A dolorosa verdade: todos os terroristas do mundo são muçulmanos", eis o título do artigo escrito pelo diretor-geral da rede de TV Al Arabiya, Abdulrahman al Rashed, publicado pelo jornal pan-árabe "Asharq al Awsat", após o trágico desfecho do seqüestro na escola de Beslan. Este deixou mais de 300 mortos, incluindo muitas crianças.
Em termos concretos, obviamente, sua afirmação não corresponde à realidade. O 17 de Novembro grego ou as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, ambos de orientação marxista, também cometem atentados terroristas, muitas vezes com vítimas. O mesmo ocorre com os tigres tâmeis do Sri Lanka, ainda mais sangrentos. Ademais, estes realizam ações suicidas como as que, freqüentemente, foram protagonizadas por muçulmanos nos últimos anos. Nenhum dos três é islâmico.
Na verdade, parece que Al Rashed quis dizer que, no passado recente, os ataques mais sangrentos foram perpetrados por muçulmanos e que a barbárie dos "combatentes da guerra santa" cresce em ritmo assustador no Iraque, na Tchetchênia, na Indonésia, no Afeganistão etc.
Contudo é necessário fazer uma ressalva importante: há grandes diferenças entre grupos terroristas de orientação islâmica. Ao menos dois tipos de organização são visíveis: as apocalípticas e as tradicionais.
Entre as primeiras se destaca a rede Al Qaeda, de Osama bin Laden, responsável pelo maior ataque da história ao território americano, o 11 de Setembro, que causou cerca de 3.000 mortes. Também fazem parte dessa categoria o Tawhid e Jihad, liderado pelo jordaniano Abu Musab al Zarqawi, o homem mais procurado pelas tropas americanas no Iraque, e o Jemaah Islamiah indonésio, que orquestrou o ataque a uma boate em Bali, em 2002, matando 202 pessoas.
Os "combatentes da guerra santa" buscam pôr fim à atual ordem global para erigir estruturas sociais condizentes com sua interpretação radical do islã. Sua doutrina é propagada nas madrassas (escolas religiosas muçulmanas) paquistanesas ou nos centros wahabistas sauditas, e seus métodos começam a ser exportados para regiões antes mais interessadas em secessão do que em terror.
Entre as organizações islâmicas praticantes do terrorismo tradicional estão, por exemplo, uma miríade de grupos palestinos, como o Hamas e o Jihad Islâmico, e o Abu Sayyaf, filipino, cujos objetivos são limitados a uma região geográfica e, muitas vezes, tem origem no que é visto como uma "ocupação". No primeiro caso, a presença de Israel nos territórios ocupados. No segundo, a filipina na ilha meridional de Mindanao.
É crucial, no entanto, ressaltar que tem havido uma perigosa infiltração de terroristas apocalípticos, cujas redes são transnacionais, em movimentos islâmicos regionais, como o tchetcheno. A comunidade internacional deve, portanto, buscar a via do diálogo com organizações cujas aspirações são regionais e concretas para evitar que sua radicalização torne os conflitos ainda mais intensos.
O exemplo do IRA irlandês é emblemático e mostra que a solução política precisa ser priorizada.


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