São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Eleições e falsas promessas

Parece incrível, mas já se passaram dez anos. Foi em abril de 1994. Ele estava de passagem por São Paulo. Fui apresentado por meio de um amigo comum.
Seu nome, Roger Douglas, uma mente brilhante, verdadeira usina de idéias, ultraliberal e, por isso, polêmico e controvertido. Foi ministro da Fazenda da Nova Zelândia durante quatro anos, no início da década de 90, quando introduziu várias reformas estruturais que restauraram a competitividade de seu país.
A conversa foi rolando de tema em tema: produção, investimentos, tecnologia, educação, justiça, até chegarmos na política. Lembrei-me do papo no último fim de semana, ao assistir um dos programas eleitorais para prefeito e vereadores.
Na Nova Zelândia, contou-me Roger, havia uma prática consolidada e que consegue conter os arroubos de populismo dos sindicatos. Não sei se o sistema continua até hoje. Mas, na época, a regra era simples: toda vez que um candidato fazia uma promessa aos eleitores, ele tinha de explicitar como iria realizar o prometido. Se não dissesse, o seu opositor tinha o direito de comparecer ao mesmo veículo da mídia (TV, rádio ou jornal) para desmoralizar o demagogo que, como impostor, estava a fazer promessas irrealizáveis.
Não sei se essa prática continua. Mas, de qualquer forma, a pressão para conter o populismo e explicitar o "como" era muito grande. Uma falha nessa área era o prato cheio para os candidatos espinafrarem seus opositores. Ninguém queria correr esse risco. Por isso, as promessas tendiam para um realismo.
Na medida em que essa regra foi sendo praticada, os eleitores passaram a se interessar muito pelo "como". Não se trata de uma receita contra a demagogia. Mas é uma pressão virtuosa, pois encaminhava o debate para um terreno mais objetivo do que emocional.
Fiquei fascinado pela simplicidade da regra e sonhei com sua aplicação na política brasileira. Seria um grande avanço. Sim, porque, para o político sério, não basta ser um vendedor de sonhos; ele precisa ser um pagador de promessas.
Na campanha atual, que agora chega à sua parte final, nota-se que as promessas sobem de tom, e de todos os lados. Os candidatos oferecem serviços tentadores aos eleitores. Mas como fazê-lo? Aumentando impostos e taxas ou melhorando a máquina pública? Elevando o endividamento ou esmerando na eficiência? Inchando quadros ou investindo na qualidade dos professores, médicos e servidores em geral?
A cobrança do "como" é parte de um importante processo educativo e que forçaria os políticos a "pensar antes de falar".
Mesmo sem ter implantada a prática da cobrança, penso que seria de utilidade começarmos a enviar cartas, fazer telefonemas e mandar e-mails para os candidatos, nesta última semana, em especial aos "promessinhas". Quem sabe, com esse esforço, venhamos a introduzir um pouco de objetividade na cabeça dos mentirosos.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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