São Paulo, terça-feira, 26 de setembro de 2006

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Nosso futuro

DIZEM versos em sânscrito, escritos há mais de dois mil anos: "A esperança é uma corrente que nos amarra uns aos outros. Maravilha de corrente. Os acorrentados correm longe. Os desatados ficam mancos".
Nada no desalento e nas desilusões do momento nos deve fazer esquecer que o Brasil reúne condições para ser grande país. Vasto território, ainda pouco povoado, com recursos hídricos e biológicos inigualados. Facilidade para semear e para colher o ano todo. Distanciamento, inveterado e convicto, de guerras e de hegemonias. Ausência de ódios arraigados e de divisões insanáveis. Povo mais capaz de assimilar e de misturar etnias e culturas do que o americano, que dessa capacidade sempre se vangloriou. Flexibilidade de espírito e pendor para o improviso. Fé, combalida, porém ainda viva, na possibilidade de reconciliar a pujança com a ternura.
Contra tudo isso de promissor levantam-se três ameaças a nosso futuro. A primeira é ensino público incapaz de equipar a energia frustrada do país. A segunda é vida pública - e sobretudo sistema partidário - que desmoralizam ou suprimem as alternativas, de projeto e de poder, de que precisa a nação.
A terceira é falta de identificação de nossos quadros dirigentes com o futuro do Brasil. Por conta dessa falta, ainda não se consolidou entre nós o desejo de lutar para afirmar, dentro da humanidade, nossa originalidade coletiva e para transmitir mensagem que seja universal justamente por ser singular.
Não começaremos a aproveitar aquele potencial e a superar estas ameaças se continuarmos, depois da eleição, as rivalidades e as confusões de antes da eleição. Também não o faremos pelo caminho de governo de união nacional que sacrifique a consenso gelatinoso e conservador a dialética de idéias e a inovação de rumo vitais ao país.
Todos nós que queremos construir o desenvolvimento com inclusão e tirar a política da sombra corruptora do dinheiro precisamos nos unir. Lutar para que o novo governo, que, por veredicto da maioria pobre, será o do presidente reeleito, atue como agente desse projeto. E providenciar, junto com a mudança nas regras da política, o instrumento partidário adequado.
Para que o Brasil mude de rumo, o presidente terá de ousar. Alguns de seus adversários de ontem terão de ser seus aliados de amanhã. O debate nacional terá de contar com mais, não menos, contraste de posições. E a nação toda terá de encontrar dentro de si os recursos, de magnanimidade e de clarividência, necessários a seu engrandecimento.


www.law.harvard.edu/unger

ROBERTO MANGABEIRA UNGER
escreve às terças-feiras nesta coluna.


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