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JOSÉ SARNEY
As aves, menos cantos
ESTAVA PREPARADO para entrar no assunto do dia, a crise
financeira que fez os EUA voltarem a lord Keynes e negar o neoliberalismo, com US$ 2 trilhões
destinados a salvar bancos e corretoras, quando encontro a notícia,
para mim, pior, que é o alerta da
Sociedade Espanhola de Ornitologia de que os pássaros do mundo
estão ameaçados e de que cada vez
menos cantos ouviremos -no Maranhão, diríamos gorjeios.
Pensei no meu amigo Dalgas
Frisch, esse homem extraordinário que passou a vida gravando o
canto dos pássaros e descobrindo
as plantas que os atraem. Como ele
deve estar destruído, tanto quanto
eu, porque nada mais bonito do
que o canto de um passarinho. Os
poetas sempre quiseram ser passarinhos, e seus cantos são como asas
tomadas de anjos e deuses, querendo igualá-los.
Nosso maior hino de amor à pátria é o de Gonçalves Dias, chorando em Coimbra e escrevendo:
"Minha terra tem palmeiras/ Onde
canta o sabiá/... Não permita Deus
que eu morra/ Sem que volte para
lá".
Este sabiá já se encontra em Casimiro de Abreu: "Eu quero ouvir
na laranjeira, à tarde/ Cantar o sabiá!". E Tom Jobim e Chico Buarque: "Foi lá e é ainda lá/ Que eu hei
de ouvir cantar uma sabiá". Será
que somente vamos ouvir o sabiá
nas gravações de Dalgas? Vai ser
um mundo pior que o silêncio da
lua, sem o pica-pau, o joão-bobo,
o joão-de-barro, o vim-vim, o leva-
riba e os canários de todos os
cantares.
A coisa é pior para o Brasil, onde
afirmam que 27 espécies estão
ameaçadas. Uma delas eu sei: as
pombas-do-ar, que estão sendo comidas pelos macaquinhos que invadiram Brasília, vindos do cerrado, devorando ovos e filhotes.
Quando fomos descobertos por
Cabral, as primeiras naus que voltavam para a Europa iam cheias de
pássaros para enfeitar o Velho
Continente. À frente de todos, fazendo a festa, os papagaios, com o
encanto de falarem. Quando o barão St. Blanchard pediu para ser indenizado da carga da nau Pèlerine,
tomada pelos portugueses, ele reclamava sobretudo dos 600 papagaios "já falando algumas palavras
de francês" e, como lastro, mais
3.000 peles de onça. O pau-brasil
era o que menos valor tinha.
Na Guiana Francesa, conta Mouren-Lascaux em "La Guyane", o comércio mais valioso com a França
no século 18 eram pássaros empalhados, vendidos a altos preços.
Denuncia a Sociedade Espanhola de Ornitologia que o problema
não é o clima; são os homens e a
agricultura. Eu me lembro dos
meus tempos de menino, todos de
baladeiras atrás de matar um passarinho. Eu não tenho esse pecado.
Sempre gostei de gaiolas vazias, as
andorinhas chegando na arribação,
e o Johan Dalgas com seus pássaros e seus cantos.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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