São Paulo, sábado, 26 de outubro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A pauta dos eleitos

GLACI ZANCAN

O sistema de ciência e tecnologia deve ser múltiplo para ser eficaz. Para isso deve haver tanto o fomento à ciência quanto o incentivo à inovação. Ambas as atividades devem estar bem definidas e delimitadas e devem correr paralelamente.
O fomento estatal à ciência deve se ocupar em financiar o avanço do conhecimento em todas as áreas, apoiando as idéias criativas independentemente de sua possível aplicação. Além disso, precisa investir em projetos que busquem alavancar conhecimentos novos, necessários ao desenvolvimento em áreas consideradas estratégicas, seja para o desenvolvimento social, seja para o crescimento econômico do país. Neste caso, a execução dos projetos é uma especificidade da academia e envolve a formação das futuras elites dirigentes.
Já o fomento à inovação deve financiar projetos prioritários nas empresas, em associação com institutos de pesquisa estatais ou grupos universitários das áreas tecnológicas, utilizando para isso vários instrumentos. Aqui se enquadram os fundos estatais, o capital de risco e os incentivos fiscais.
Esse modelo se aplica tanto ao governo federal quanto aos estaduais e busca dotar o Estado de agências cujas atividades ultrapassem os governos. Embora a inovação e a tecnologia tenham sido colocadas no decorrer dos debates da campanha eleitoral como prioridades por vários candidatos, importa agora sublinhar que é o avanço em conhecimento e em inovação tecnológica que vai garantir a inserção do país na chamada economia do conhecimento.


É preciso deixar clara a necessidade de manter e ampliar a pesquisa acadêmica livre e desinteressada


A comunidade científica brasileira, ao exigir que o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) tivesse sempre um Conselho Deliberativo, na verdade procurava concretizar a idéia maior de que ele deve ser uma agência autônoma e independente, e, portanto, um instrumento de Estado, e não dos governos, para o fomento de longo prazo da ciência no país. As dificuldades enfrentadas pelo órgão desde a década de 1990 são o reflexo da perda de sua autonomia. Ele se tornou um órgão executor de políticas de governo, apesar de contar com a participação da comunidade científica em seus diferentes níveis de atuação.
Os fundos setoriais, criados no atual governo, visam basicamente alavancar a inovação nas redes produtivas que dão origem aos recursos. Portanto seus recursos têm um destino perfeitamente definido. Como todos os fundos, estão alocados no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o FNDCT. É fundamental a criação de um Conselho Deliberativo do Fundo, para que ele seja também um instrumento do Estado com o qual a sociedade participe da definição das áreas estratégicas.
No momento em que ocorrem as mudanças dos governos em nível federal e estadual, é preciso deixar clara a necessidade de manter e ampliar a pesquisa acadêmica livre e desinteressada, pois sem ela não será possível acompanhar o explosivo crescimento do conhecimento. A incapacidade de acompanhar esse avanço resultará na deterioração da educação como um todo, o que pode resultar na incapacidade de diálogo no mundo globalizado.
O incentivo à inovação é também um imperativo na busca da competitividade das empresas e na atualização constante das tecnologias pertinentes à melhoria das condições de vida da população. Espera-se que os novos dirigentes do país acatem as sugestões que lhes foram apresentadas pelo Conselho da SBPC, como forma de aprimorar o sistema vigente.


Glaci Zancan, 68, professora titular de bioquímica da Universidade Federal do Paraná, é presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).


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