São Paulo, terça-feira, 26 de outubro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Fato histórico

RIO DE JANEIRO - Recebo e-mails perguntando se fiquei chocado com as fotos divulgadas pelo "Correio Braziliense" que mostravam um homem nu e, aparentemente, após uma sessão de tortura a que fora submetido pelas forças de repressão do regime militar. Se se tratava de Vladimir Herzog, como de início foi noticiado, não haveria motivo para o choque.
Choque houve, e tremendo, quando a foto dele, assassinado nos porões do DOI-Codi, ficou como um dos logotipos mais dramáticos daquele período de nossa recente história. Ninguém teve dúvida de que era o jornalista.
A versão do suicídio, defendida até hoje por alguns setores das Forças Armadas, nunca foi levada a sério nem mesmo pelos próprios militares. Tanto que o governo, presidido então por um general, demitiu o comandante sob cuja jurisdição ocorreu o crime que traumatizou a nação e foi uma das coordenadas que obrigaram aquele regime a aceitar a abertura democrática.
Quem viveu aqueles tempos sabe que uma das armas da repressão eram as fotos comprometedoras daqueles que, de uma forma ou outra, combatiam a força e a violência das autoridades. Numa de minhas prisões, mostraram-me a foto de um bispo, então num cargo importante da CNBB, num cinema, de mãos dadas com uma moça. Queriam me convencer de que a resistência de certa parte da igreja aos militares era suspeita, vinha de padres e bispos que não levavam a sério os seus votos sacerdotais.
É evidente que a prova nada me provou. Mas já sabia que os elementos da repressão forjavam encontros assim e tiravam fotos para a barganha: calar ou ficar desmoralizado.
Como disse Fernando Gabeira, não era da rotina tirar fotos durante ou depois de uma sessão de tortura. E mais: Vladimir não foi apenas torturado. Foi assassinado. E esse é o fato histórico.


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