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CARLOS HEITOR CONY
Fato histórico
RIO DE JANEIRO - Recebo e-mails perguntando se fiquei chocado com
as fotos divulgadas pelo "Correio
Braziliense" que mostravam um homem nu e, aparentemente, após uma
sessão de tortura a que fora submetido pelas forças de repressão do regime militar. Se se tratava de Vladimir
Herzog, como de início foi noticiado,
não haveria motivo para o choque.
Choque houve, e tremendo, quando
a foto dele, assassinado nos porões do
DOI-Codi, ficou como um dos logotipos mais dramáticos daquele período
de nossa recente história. Ninguém
teve dúvida de que era o jornalista.
A versão do suicídio, defendida até
hoje por alguns setores das Forças Armadas, nunca foi levada a sério nem
mesmo pelos próprios militares. Tanto que o governo, presidido então por
um general, demitiu o comandante
sob cuja jurisdição ocorreu o crime
que traumatizou a nação e foi uma
das coordenadas que obrigaram
aquele regime a aceitar a abertura
democrática.
Quem viveu aqueles tempos sabe
que uma das armas da repressão
eram as fotos comprometedoras daqueles que, de uma forma ou outra,
combatiam a força e a violência das
autoridades. Numa de minhas prisões, mostraram-me a foto de um bispo, então num cargo importante da
CNBB, num cinema, de mãos dadas
com uma moça. Queriam me convencer de que a resistência de certa
parte da igreja aos militares era suspeita, vinha de padres e bispos que
não levavam a sério os seus votos sacerdotais.
É evidente que a prova nada me
provou. Mas já sabia que os elementos da repressão forjavam encontros
assim e tiravam fotos para a barganha: calar ou ficar desmoralizado.
Como disse Fernando Gabeira, não
era da rotina tirar fotos durante ou
depois de uma sessão de tortura. E
mais: Vladimir não foi apenas torturado. Foi assassinado. E esse é o fato
histórico.
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