São Paulo, terça-feira, 26 de outubro de 2004

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Plano sucessório

No dia seguinte ao segundo turno do pleito municipal começa a sucessão presidencial. Projeto, base e agentes -essas as três exigências para produzir reviravolta em 2006. Reviravolta significa derrota das duas coalizões partidárias dominantes -a que governa agora e a que governava antes- e portanto da orientação -a mesma orientação- que ambas impuseram ao país. As dificuldades para produzir a reviravolta são imensas. Contrabalança-as, porém, circunstância que pode vir a ser decisiva se os adversários do rumo atual nos conduzirmos com audácia, sabedoria e desprendimento: o que está aí não é o que o país quer.
O projeto, ao contrário do que se diz todos os dias, já existe: esses anos de frustração e de mentira revelaram suas diretrizes. É preciso defini-las com simplicidade em torno de alguns grandes temas.
Deixar de organizar a economia brasileira como máquina para transferir dinheiro de quem trabalha e produz para quem empresta dinheiro ao Estado. O governo deve usar seus poderes para enquadrar os interesses financeiros e para dar primazia aos interesses do trabalho e da produção. E pode fazê-lo sem violentar o império do direito.
Resgatar mais da metade dos trabalhadores brasileiros da informalidade e do subemprego, abolindo os encargos sobre a folha salarial e oferecendo às empresas concessões tributárias e regulatórias em troca de emprego e de qualificação para trabalhador pobre. Quer dizer: usar as forças de mercado para valorizar o trabalho e o trabalhador.
Fixar como prioridade da política social a construção de ensino público de qualidade capaz de atrair a classe média para a escola pública em proveito de todos. Ensino de século 21 que nos salve do destino de vender ao mundo trabalho desqualificado e barato.
Acabar com a causa principal da corrupção na política, o regime existente de financiamento eleitoral. E preparar a nação para o aprofundamento da democracia, baseado em partidos fortes e em sociedade civil organizada.
Não representa esse projeto o paraíso sobre a terra; apenas o início daquilo pelo qual o país votou em vão em 2002. E não exige muito dinheiro; só o que mais tem faltado aos que vem governando o Brasil: clareza e coragem.
A base partidária indispensável para oferecer essa alternativa ao país nasce sem ser percebida. É a convergência entre o PDT e o PPS: base que tem em integridade o que lhe falta em tamanho. Basta para lançar proposta e candidatura. Sensibilizado pouco a pouco o eleitorado, outros apoios, políticos e sociais, virão.
O candidato à Presidência ainda não apareceu, mas aparecerá. Não se reconhece a dualidade de nosso presidencialismo plebiscitário. Em país ao mesmo tempo tão grande e tão desigual quanto o Brasil, com empresas de mídia mendigando do governo e com eleitorado obrigado a intuir o que se lhe não informa, é extraordinariamente difícil tornar mensagens e mensageiros novos conhecidos em toda a parte. Quando se começa, porém, a furar o bloqueio do desconhecimento, as muralhas caem com rapidez igualmente surpreendente: a covardia dos governantes contrasta com o arrojo dos eleitores -com sua abertura de espírito e com sua sofreguidão para encontrar saída. Que grande momento se aproxima!


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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