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Sobre um manifesto de meias verdades
CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ
O debate e o contraditório não apareceram no manifesto em que reitores
de universidades federais aderem à candidatura Lula
REITORES DE universidades e
outros dirigentes de instituições federais publicaram um
manifesto aderindo à candidatura
Lula. Declaram satisfação com os últimos quatro anos, que querem ver
continuados, e se referem a supostas
ameaças trazidas pela candidatura de
oposição, na já tristemente familiar
tática de lançamento de suspeita adotada pela campanha da situação.
O debate e o contraditório não apareceram no manifesto -de características maniqueístas e, por isso, simplificadoras. O contrário do que se esperaria de representantes da inteligência e do pensamento crítico brasileiro, que poderiam ter deflagrado um
debate sobre a educação no Brasil.
Os autores se referem à criação de
dez universidades federais. Pode interessar ao eleitor saber que novas universidades foram três, e não dez, pois
sete foram mudanças de denominação ou desmembramentos de instituições previamente existentes.
Interessa ao contribuinte o aumento no número de estudantes que têm
acesso ao ensino superior público e
gratuito, o de maior qualidade no Brasil. Segundo os dados publicados, o
governo FHC criou condições para
que mais brasileiros entrassem no ensino superior público federal a cada
ano -em relação ao que Lula tem feito. Nos anos FHC, o crescimento
anual nas matrículas nas federais foi
de 5,2% ao ano, bem mais alto do que
os 3,3% do primeiro ano (o único para
o qual a administração atual foi capaz
de mostrar os dados) de Lula. A política que atende ao contribuinte e aumenta o acesso à educação pode não
ser a mesma que alegra os reitores.
O amor ao contraditório -do qual,
em geral, nasce mais conhecimento-
exigiria a menção, quando se faz referência ao crescimento dos recursos
federais para financiamento à pesquisa do FNDCT, que tal crescimento se
deve aos Fundos Setoriais, uma criação do Ministério da Ciência e Tecnologia no período FHC.
Um governo posterior constrói sobre o que o anterior deixou. Os recursos do FNDCT aumentaram, mas, infelizmente, em relação ao PIB, o valor
do investimento em P&D no país vem
diminuindo desde 2001.
O manifesto dos reitores, preocupado com a educação dos brasileiros,
poderia ter lembrado também que, no
governo FHC, a descentralização de
recursos e o Fundef permitiram ao
Brasil -e aqui, sim, pela primeira vez
em sua história- universalizar o ensino fundamental. Foi uma conquista
marcante para o país e para todos os
que se preocupam com o avanço da
educação; e especialmente importante para os brasileiros mais pobres, para os pretos e pardos, que formavam o
maior contingente fora da escola.
Ajudaria a ampliar o debate sobre o
nevrálgico tema da educação e do ensino superior se os reitores explicitassem que o candidato Alckmin governou o Estado onde estão as melhores
universidades públicas do país: USP,
Unicamp e Unesp, as três com regime
de autonomia e vinculação orçamentária. Regime que nenhuma universidade federal tem, e ao qual a "reforma
universitária" do governo Lula nem
sequer aludiu.
Nos últimos cinco anos, o crescimento nas matrículas em São Paulo
tem sido de 5% por ano -50% maior
do que o governo Lula tem conseguido. Na pós-graduação, o crescimento
nos últimos dez anos foi de 68%. São
Paulo faz o maior esforço nacional em
pós-graduação e pesquisa, sendo o estado que mais forma doutores. Larga
proporção deles vem dos outros estados e a eles retorna para desenvolver
as instituições locais.
Nas universidades paulistas, mais
de um terço das matrículas é no período noturno, aumentando as chances de estudo em boas universidades
para os que precisam trabalhar durante o dia. Nas federais, esse percentual é de somente 23% -mas parece
ser considerado bom pelos reitores
signatários e pelo candidato Lula.
Também nesse assunto, a "reforma
universitária" do governo Lula é tímida. Em São Paulo, é a Constituição
que preconiza o terço de vagas no período noturno.
No apoio à pesquisa, o governador
Geraldo Alckmin honrou com precisão o estabelecido na Constituição
quanto ao financiamento da Fapesp.
Nunca houve nenhum contingenciamento, como o governo FHC fez e o
governo Lula continua fazendo, com
os recursos dos Fundos Setoriais e do
FNDCT.
Fernando Brant escreveu: "E o que
foi feito é preciso conhecer, para melhor prosseguir. Falo assim sem tristeza. Falo por acreditar. Que é cobrando o que fomos. Que nós iremos
crescer". Está na hora de o Brasil crescer. Crescer no respeito a outras opiniões, à verdade, ao debate límpido e
claro sobre os destinos do país, sem
demagogia, sem rotulações e sem
simplificações. Senão só o que resta é
a tristeza do pensamento único.
CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, 50, engenheiro de
eletrônica graduado pelo ITA (Instituto Tecnológico de
Aeronáutica) e doutor em física pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), entidade que presidiu de 1996 a 2002. Foi reitor da
Unicamp (2002-2005).
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