São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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CARLOS HEITOR CONY

Um exemplo

RIO DE JANEIRO - Refletindo a comoção pública, e de certo modo incentivando-a, a televisão, o rádio e a mídia em geral deram minuciosa cobertura do seqüestro e morte da menina Eloá -vítima de um crime passional que, por coincidência, provocaria outros casos iguais.
Não pretendo chover no molhado lamentando o fim de uma vida de 15 anos. Do abominável episódio policial pincei um detalhe que, no meu entender, merece meditação. A família da menina autorizou a doação de seus órgãos. Milhares de pessoas estão na fila de espera, e a oferta é rara, incerta, cercada ainda de preconceitos.
Sacrificada brutalmente em plena adolescência, não se pode dizer que ela continuará vivendo porque seu coração, rim, pâncreas, pulmão e córnea serão transplantados para outros organismos. Seria uma licença poética e médica. Mas a doação de órgãos sadios é uma prática ao mesmo tempo solidária e científica, que em alguns casos aumenta a expectativa de vida e na maioria dos casos melhora substancialmente a sua qualidade.
No caso de Eloá, foi a família que autorizou a doação. São raros ainda os casos em que as vítimas, de mortes violentas ou não, deixam instruções a respeito. Afinal, todos nós somos vítimas potenciais da fatalidade ou de doenças que poupam determinados órgãos.
É evidente que ninguém deseja uma humanidade de frankensteins, nem o transplante de órgãos chegaria ao estágio macabro da ficção. Trata-se de uma etapa da ciência e da técnica cujo desenvolvimento pode tornar uma vida mais útil mesmo depois que ela acaba.
Afinal, o único problema que o homem nunca poderá resolver é o de sua finitude. Parodiando o poeta francês Henri Régnier, já parodiado por Vinicius no famoso soneto, que a vida seja infinita enquanto dure.


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