|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Um exemplo
RIO DE JANEIRO - Refletindo a
comoção pública, e de certo modo
incentivando-a, a televisão, o rádio
e a mídia em geral deram minuciosa
cobertura do seqüestro e morte da
menina Eloá -vítima de um crime
passional que, por coincidência,
provocaria outros casos iguais.
Não pretendo chover no molhado
lamentando o fim de uma vida de 15
anos. Do abominável episódio policial pincei um detalhe que, no meu
entender, merece meditação. A família da menina autorizou a doação
de seus órgãos. Milhares de pessoas
estão na fila de espera, e a oferta é
rara, incerta, cercada ainda de preconceitos.
Sacrificada brutalmente em plena adolescência, não se pode dizer
que ela continuará vivendo porque
seu coração, rim, pâncreas, pulmão
e córnea serão transplantados para
outros organismos. Seria uma licença poética e médica. Mas a doação de órgãos sadios é uma prática
ao mesmo tempo solidária e científica, que em alguns casos aumenta a
expectativa de vida e na maioria dos
casos melhora substancialmente a
sua qualidade.
No caso de Eloá, foi a família que
autorizou a doação. São raros ainda
os casos em que as vítimas, de mortes violentas ou não, deixam instruções a respeito. Afinal, todos nós somos vítimas potenciais da fatalidade ou de doenças que poupam determinados órgãos.
É evidente que ninguém deseja
uma humanidade de frankensteins,
nem o transplante de órgãos chegaria ao estágio macabro da ficção.
Trata-se de uma etapa da ciência e
da técnica cujo desenvolvimento
pode tornar uma vida mais útil
mesmo depois que ela acaba.
Afinal, o único problema que o
homem nunca poderá resolver é o
de sua finitude. Parodiando o poeta
francês Henri Régnier, já parodiado
por Vinicius no famoso soneto, que
a vida seja infinita enquanto dure.
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Caminhos cruzados Próximo Texto: Rubens Valente: A lei Delúbio Índice
|