São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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RUBENS VALENTE

A lei Delúbio

NAS TRATATIVAS para o lançamento da candidatura de Lula à Presidência em 2002, uma prioridade dos dirigentes do PT era assegurar ao candidato, escaldado por três derrotas consecutivas, que a campanha seria rica. Para alavancar as doações, José Dirceu contaria com o fiel aliado Delúbio Soares, a quem havia tirado, em 1995, do ostracismo em que se encontrava, e com uma rede de arrecadadores de confiança nos Estados, como Waldomiro Diniz.
Acalmado o candidato, o partido fez e aconteceu. Delúbio recorreu ao publicitário Marcos Valério, com vasto serviço prestado ao PSDB. Todo mundo sabe o final da história. Lula queria ao menos um "bom" marqueteiro (que recebeu R$ 25 milhões por um pacote de quatro campanhas) e um jatinho.
Gastou R$ 33,7 milhões no caixa oficial, dez vezes mais do que a campanha anterior. Há relação direta entre dinheiro e vitória, daí a necessidade de conhecer métodos, operadores e apoiadores.
Nos últimos anos, o Brasil avançou na transparência, mas o Tribunal Superior Eleitoral tem ainda muito o que fazer. A principal nódoa é o sigilo sobre o doador durante a campanha. Hoje, a divulgação ocorre só depois da disputa.
Em 2004, o PT discutiu a hipótese de revelar os doadores durante o pleito. Delúbio, contrário à idéia, teria dito, segundo parte da imprensa, que "transparência demais é burrice". Saiu vencedor.
Dois anos depois, a lei 11.300, nascida de projeto do senador Jorge Bornhausen (DEM-SC) e sancionada por Lula, criou regra semelhante ao ideal de Delúbio. O candidato deve revelar apenas valores na campanha, sem nomes. Medida inútil, até debochada.
Hoje acaba a segunda eleição sob a nova lei, e você, eleitor, vota sem saber quem pagou o helicóptero, o marqueteiro, o panfleto. A Folha e outros meios de comunicação questionaram os candidatos à Prefeitura de SP. Gilberto Kassab, Marta Suplicy e Geraldo Alckmin desconversaram. Enroladores, atribuíram à lei a opacidade que é deles, pois nada os impede de falar.
Em seminário sobre financiamento ocorrido em maio passado em Assunção, um editor do jornal "ABC Color" disse ter perguntado ao general Lino Oviedo quem pagava a sua campanha. Oviedo se disse surpreso, pois, para ele, "todo mundo" no Paraguai sabia quem eram seus doadores. Como prova, chamou seu motorista e fez a mesma pergunta. Ele respondeu: "Ora, quem paga as contas da campanha são os amigos do general".
A lei em vigor no Brasil só interessa aos partidos e candidatos. Então não interessa à sociedade.
Alegam que a transparência afugenta doadores. Mas pouco importa para o eleitorado que a arrecadação desabe. Isso não é problema do eleitor, é problema do candidato, que aceitou o ônus e o bônus da vida pública. Ele tem de explicar quem são seus amigos do bolso.


RUBENS VALENTE é repórter de Brasil .


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