São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Recuperar a confiança e enfrentar a crise

JUAN SOMAVIA


Nossos cálculos indicam que a atual crise poderá traduzir-se na perda de 20 milhões de postos de trabalho em nível global no final de 2009

A ATUAL crise golpeou duramente o setor financeiro. Mas e as pessoas comuns e a economia real?
Embora ignoremos quanto durará e quão profunda será a presente crise financeira, sabemos que, a menos que atuemos de maneira decisiva, milhões de pessoas sofrerão um impacto duro, global e sistemático sobre suas vidas, suas condições de trabalho e sua esperança de vida.
A busca por uma melhor regulação financeira e um sistema de vigilância mundial de pesos e contrapesos representa, sem dúvida, um passo positivo. Mas devemos ir além do sistema financeiro. Essa não é somente uma crise de Wall Street. É uma crise geral.
Necessitamos de um plano de resgate econômico para os trabalhadores e para a economia real, com normas e políticas que gerem empregos decentes e empresas produtivas. Devemos vincular maior produtividade a salários e crescimento a emprego. As pessoas devem acreditar que a economia trabalha para elas.
Essa é uma mensagem de caráter urgente. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) realizou uma primeira análise estimativa sobre o impacto que esta crise terá no dia-a-dia de milhões de pessoas em todos os segmentos da sociedade.
Nossos cálculos indicam que a atual crise poderá traduzir-se na perda de 20 milhões de postos de trabalho em nível global no final de 2009. Isso significaria que, pela primeira vez, superaríamos a barreira de 200 milhões de desempregados no mundo. Além disso, o número de trabalhadores pobres que vivem com menos de US$ 1 por dia poderia aumentar em 40 milhões, e o dos que vivem com US$ 2 por dia, em mais de 100 milhões.
Por mais desalentadores que sejam, esses números podem estar subestimados se os efeitos da atual contração econômica e a potencial recessão não forem atacados com rapidez. Por tudo isso, devemos nos concentrar nas pessoas, nas empresas e na economia real.Que significa isso? Quatro coisas.
Primeiro, restabelecer o crédito. Já foram e continuam sendo tomadas medidas nessa direção.
Segundo, apoiar os mais vulneráveis. Isso abrange uma série de medidas, desde proteger as aposentadorias, promover os seguros-desemprego e os sistemas de proteção social em geral até destinar créditos às pequenas e médias empresas, que, hoje em dia, representam as principais fontes de trabalho.
Terceiro, precisamos de políticas públicas e regras contundentes e inteligentes que voltem a premiar o trabalho duro e as empresas. Estamos sendo sacudidos por um redemoinho financeiro que perdeu sua bússola moral. Devemos resgatar a função básica das finanças, que é a promoção da economia real, isto é, emprestar dinheiro para que os empresários possam investir, inovar, gerar empregos e fabricar produtos. Precisamos recuperar a razão de ser das finanças, que é financiar a economia real.
Quarto, e isto é fundamental, devemos encarar os desafios subjacentes. Muito antes da presente crise, já existia uma crise de pobreza massiva, elevada desigualdade social e alta incidência do setor informal e do trabalho precário, ou seja, um processo de globalização que havia gerado grandes benefícios, mas que, para muitos, tornou-se desequilibrado, injusto e insustentável.
Devemos encontrar o equilíbrio justo e nos concentrar em resgatar as pessoas e a produção. Isso significa salvar a economia real.
Não nos esqueçamos de que as pessoas julgam suas vidas presentes e futuras com base em sua vida no trabalho. Hoje, mais do que nunca, devemos nos assegurar de que existam as políticas e o apoio necessários para cumprir a demanda básica das pessoas: a oportunidade de contar com um trabalho decente.
Se queremos que as economias e as sociedades continuem sendo abertas, é necessário que as organizações internacionais pertinentes desenvolvam um novo marco multilateral que conduza a uma globalização justa e sustentável.
As negociações sobre comércio internacional estão paradas, os mercados financeiro estão à beira de um colapso, as mudanças climáticas continuam sendo um tema presente. Qualquer que seja o plano a ser adotado, ele deverá integrar as políticas financeiras, econômicas, sociais, trabalhistas e de meio ambiente em um marco de desenvolvimento sustentável.
Não podemos fazer frente a uma crise de créditos subavaliados com políticas que também sejam subavaliadas. É hora de pensar e atuar de maneira audaz e inovadora para enfrentar os grandes desafios que teremos pela frente.


JUAN SOMAVIA é diretor-geral da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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