São Paulo, terça-feira, 26 de dezembro de 2006

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O carrossel

ROBERTO LUIS TROSTER


O carrossel gira, mas não sai do lugar. 2006 foi mais uma "oportunidade perdida". Não foi a primeira. Bem que poderia ser a última


A ECONOMIA no Brasil lembra um carrossel. Há uma sensação de avanço, mas o fato é que as oportunidades aparecem e reaparecem, os discursos se repetem, as soluções propostas são as mesmas e os problemas permanecem. O carrossel gira e gira, mas não sai do lugar.
O ano de 2006 foi mais uma "oportunidade perdida". Não foi a primeira, mas bem que poderia ser a última. A economia mundial foi favorável para os emergentes, a taxa de juros interna caiu para o patamar mais baixo em décadas, a inflação despencou e as exportações bateram recordes históricos. Mesmo assim, o desempenho econômico brasileiro foi pífio.
Ao longo do ano, as projeções de juros foram sendo reduzidas. Em janeiro, a projeção média era que a taxa do Banco Central terminaria 2006 em 15,11% e a inflação ficaria acima da meta de 4,5%. A surpresa é que os juros estão encerrando o ano em 13,25%, com a inflação em 3%. O paradoxo é que as estimativas de crescimento do PIB, que começaram o ano em 3,62%, em vez de serem elevadas em razão dos juros menores, foram reduzidas, e a expansão da economia ficará abaixo de 2,9% neste ano.
Investimentos produtivos internos são postergados porque as expectativas de crescer são baixas, o que, por sua vez, reduz ainda mais o crescimento. Pela primeira vez na história, haverá mais investimento produtivo brasileiro no resto do mundo do que de estrangeiros no país. É inconsistente com o potencial do Brasil.
O debate econômico da campanha eleitoral foi uma repetição de clichês das campanhas anteriores: promessas de reformas, controle de gastos, equacionamento da Previdência e corte de impostos. A análise do porquê do fraco desempenho econômico foi superficial. A realidade é a postergação das mudanças, a continuação do desperdício de recursos públicos e a manutenção do desempenho baixo.
O comportamento dos condutores da política econômica lembra o carrossel pela negação da realidade. Há uma autocomplacência e um conformismo dissonantes com o bem-estar e o futuro do país. É emblemático o caso dos salários do Legislativo. Mostra um desprezo e/ou um desconhecimento da situação que aflige o país.
O Poder Executivo, em vez de racionalizar gastos de forma contundente, busca artifícios contábeis para resolver o problema. Os conceitos de déficit operacional, déficit de caixa e déficit primário são frutos da criatividade tupiniquim para deixar as coisas como estão e tentar mostrar que são diferentes.
A criação mais recente chama-se PPI (Plano Piloto de Investimento).
Gastos deixarão de ser gastos porque terão rótulos diferentes. Continua-se gastando mais do que se arrecada e a saída adotada é mudar a classificação do desperdício. Um disparate.
É possível descer do carrossel. O ano de 2007 se apresenta favorável para crescer. O cenário externo é positivo tanto do ponto de vista comercial como financeiro, a demanda por produtos brasileiros continuará crescendo e haverá liquidez abundante.
Internamente, as taxas de juros devem surpreender e beirar os 10% ao ano em dezembro sem pressionar a inflação, que deve ficar próxima à meta. É uma oportunidade que pede para ser aproveitada.
Não é necessário resolver tudo. Algumas ações na direção correta podem fazer diferença em 2007 e nos anos seguintes. Três frentes são prioritárias: direitos adquiridos, condições para produzir e visão.
A abundância de direitos adquiridos é incompatível com a riqueza disponível. O volume de aposentadorias precoces, vinculações orçamentárias, estrutura do funcionalismo, serviços públicos gratuitos e gastos obrigatórios do governo exige uma readequação. Amoldar direitos adquiridos com direitos possíveis é uma condição necessária para acelerar o crescimento.
A segunda frente é a da melhoria das condições para produção no Brasil do século 21, ou seja, regras razoáveis para produzir -e que sejam cumpridas-, infra-estrutura legal e física adequada, tributação aceitável, restrições operacionais racionais, burocracia aceitável etc. A ação deve ser na geração de riquezas, e não na sua dilapidação.
Falta visão. Podemos crescer mais que 5% num futuro próximo. Os problemas apontados são parecidos com os de outros países. Em alguns, eles são aceitos. Em outros (como Irlanda, Coréia e Índia), não. Decidiram mudar e conseguiram. Estão crescendo e melhorando seus indicadores sociais.
O Brasil tem de fazer acontecer.
Parem o carrossel!

ROBERTO LUIS TROSTER , 56, economista, é doutor pela Faculdade de Economia e Administração da USP. Foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) de 2001 a 2006.
robertotroster@uol.com.br


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