São Paulo, sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

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Voto e cassação

Na falta de uma reforma política ampla, punição à infidelidade partidária suscita dúvidas e questionamentos

DEPOIS DE longo e sinuoso percurso, foi oficializado pela Câmara o primeiro caso de perda de mandato de um deputado federal por infidelidade partidária.
Trata-se do parlamentar paraibano Walter Britto -que, eleito pelo PFL (hoje DEM), logo passou a integrar o PRB. Dito de outra forma, candidatara-se num partido de oposição, para em seguida aderir à base governista.
Não mais que um exemplo, entre incontáveis, da crônica indisciplina partidária que caracteriza a vida política brasileira.
Sem dúvida, a cassação do deputado Britto vem no mínimo inibir um tipo de comportamento que, até agora, aparecia menos como um escândalo -coisa que muitas vezes é- e mais como parte das alegres e tradicionais rotinas que marcam o início de cada legislatura.
Todavia, persistem intocados os fundamentos do problema. Foi apenas em razão de um questionável entendimento judicial -manifestado pelo STF e pelo TSE- que se deu a cassação. A saber, a tese de que o mandato de um parlamentar não lhe pertence, mas sim ao partido pelo qual ele foi eleito.
É segundo esse princípio que, agora, reverte ao DEM a cadeira perdida com a transmigração do deputado. Walter Britto obteve 12.934 votos. Cede lugar ao demista Major Fábio, sufragado por 4.061 eleitores.
Nada mais difícil, na verdade, do que imaginar qual a verdadeira vontade do eleitor numa disputa proporcional.
Pode ocorrer que determinado candidato, por obra de seu prestígio pessoal, veja-se eleito com centenas de milhares de votos, apesar de pertencer a uma legenda insignificante.
Supondo-se que mude de partido, parece mais lógico considerar, nesse caso, que o mandato é patrimônio político seu, e não do agrupamento a que pertencia.
De resto, as atitudes e compromissos dos partidos brasileiros costumam ser tão voláteis quando a dos políticos tomados individualmente. Agremiações inteiras, apresentando-se diante do eleitorado como oposicionistas, subitamente aderem ao governo.
Uma efetiva vinculação entre candidatos e partidos depende não apenas do aprimoramento da cultura política, mas de mudanças no mecanismo eleitoral e parlamentar que, como se sabe, vêm sendo discutidas, adiadas, esquecidas e retomadas num circuito do qual não se vislumbra saída concreta a curto prazo.
Em decorrência das hesitações e dos adiamentos na realização de uma ampla reforma política, o ponto específico de como coibir a infidelidade partidária acabou definido por decisões judiciais.
As ambigüidades e dúvidas que cada caso particular de cassação de mandato tenderá a suscitar, mantendo-se os critérios aplicados agora, não deixam de ser um sinal das dificuldades inerentes ao debate -se é que existem, no meio político, forças dispostas a empreendê-lo de fato.


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