São Paulo, Quinta-feira, 27 de Janeiro de 2000


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Corrupção à solta

OTAVIO FRIAS FILHO

Helmut Kohl, o artífice da reunificação alemã, está sob suspeita de corrupção. Como em tantos outros escândalos que periodicamente vêm à tona no mundo desenvolvido -o próprio Clinton é objeto de um deles-, sempre se trata de financiamento eleitoral em troca de vantagens futuras, caso o candidato se eleja.
Seja no Primeiro ou no Terceiro Mundo, esse é cada vez mais o nó central da corrupção política. Numa atitude "profissional", as grandes empresas contribuem em favor não de uma candidatura, como às vezes se imagina, mas de todas, na proporção do capital eleitoral que cada uma vai acumulando nas pesquisas.
Ao agir dessa maneira, a empresa não só capta compromissos de vantagens futuras, se o candidato chegar lá, mas faz um seguro contra eventuais retaliações. Na outra ponta, a do político profissional, não há candidato, por bem-intencionado ou esquerdista que seja, apto a prescindir de (muito) dinheiro para vencer.
Entre o capital e o candidato está o maquinismo perverso da democracia contemporânea, que transformou a política num espetáculo midiático que, além de custar caro, aplaina qualquer dissenso programático ou opção verdadeira, fazendo-os convergir para uma média estatístico-publicitária: Bush ou Gore, tanto faz.
O paradoxo, então, é que o combustível que alimenta a grande corrupção é o mesmo a sustentar o grande circo democrático, onde nada de importante, aliás, está realmente em jogo, daí a sensação de estabilidade política em porções crescentes do planeta. Como o problema é estrutural, leis podem contê-lo, mas não extirpá-lo.
Conforme a política se esvazia no que lhe é essencial -a controvérsia de idéias-, à medida que ela se converte em mera "administração das coisas", é natural que a lacuna seja ocupada por um conteúdo moral, que encontra grande ressonância no eleitorado e que desperta, por isso mesmo, uma atenção prioritária na mídia.
É difícil dizer se a corrupção "nunca foi maior do que hoje". A famigerada dissolução dos costumes, que foi um bem em muitos sentidos, terá sido um mal nessa matéria, ao solapar escrúpulos arraigados num ambiente anterior, religioso e repressivo. É provável que a corrupção seja mais desenvolta; seu volume por certo é maior.
Até pouco tempo atrás, porém, as instâncias de controle público -em especial promotoria e imprensa, as mesmas que se pretende restringir agora com a Lei da Mordaça- agiam com muito menos autonomia, quando agiam. Parte da sensação geral de corrupção generalizada decorre de ela estar saindo das sombras.
Claro que tem havido casos de irresponsabilidade na divulgação de denúncias e que eles devem ser coibidos. Mas é graças a essa vigilância montante que o problema começa a ser confrontado. Sua base, entretanto, está no cerne da democracia pós-moderna, de onde não vai ser fácil arrancá-la sem que o resto do edifício venha abaixo.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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