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São Paulo, quinta-feira, 27 de fevereiro de 2003

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OTAVIO FRIAS FILHO

Guerra e paz

Nada está claro no que diz respeito à tão anunciada guerra dos Estados Unidos contra o Iraque, nem mesmo se haverá guerra. Embora a decisão americana pareça tomada, três fatores contribuem para miná-la ou retardá-la: a oposição de França, Alemanha, Rússia e China; as concessões a conta-gotas do Iraque; as manifestações de massa em escala global.
O próprio motivo da guerra é incerto. Fala-se no petróleo iraquiano, mas ele sempre esteve lá sem que os americanos julgassem necessário apossar-se do país. Teriam o diagnóstico de que, como pensam alguns analistas, cedo ou tarde o regime pró-ocidental da Arábia cairá? Tratam de se aproveitar de um pretexto qualquer para assegurar o controle das reservas iraquianas?
É possível. A perspectiva brasileira, tão distante do eixo desses acontecimentos, não nos coloca a salvo de suas consequências. O aumento da instabilidade e a retração dos negócios terão efeitos nefastos na já combalida economia internacional. Países dependentes e mais vulneráveis do que nunca, como o Brasil, estarão entre os mais expostos a essas consequências.
Na tentativa de esclarecer algo dos motivos dessa guerra e de desvendar a sua lógica -ainda que para condená-la-, é útil acompanhar os argumentos de seus apologistas. Segue um resumo desses argumentos, tal como têm aparecido, com variantes de ênfase e de detalhamento, na imprensa anglo-americana, hoje engajada, em grande parte, na causa da guerra.
O pressuposto é bem conhecido. Os atentados de 11 de setembro de 2001 evidenciaram a fragilidade dos Estados Unidos diante de um inimigo sem rosto. O poder de redes terroristas é amplificado e se torna efetivo quando elas são respaldadas por um Estado hostil. É preciso, de acordo com o raciocínio, decapitar preventivamente os Estados que possam oferecer tal respaldo.
Mas o raciocínio vai além. Com o desaparecimento do relativo equilíbrio entre duas superpotências, que manteve o mundo "em ordem" durante a Guerra Fria, o acesso à soberania nacional passa a ser decorrência da posse de armas nucleares. Oito países -incluído Israel, que se recusa a admiti-lo- já estão nessa condição; serão nove se o regime da Coréia do Norte não for detido a tempo.
Sempre conforme a argumentação belicista, se os Estados Unidos, que são o único país em condições de atuar como polícia internacional, não agirem preventiva e exemplarmente, como se dispõem a fazer contra o ditador iraquiano, logo haverá dezenas de países dotados de capacidade nuclear. Se alguns deles adotarem atitude hostil, não haveria como dissuadi-los.
A opção seria entre uma guerra localizada agora ou um futuro em que os Estados fracos estariam à mercê de novas potências nucleares, capazes de ameaçar também as potências tradicionais. Quanto disso é lógica e quanto é paranóia? Em que medida uma intervenção agora, em vez de prevenir esse cenário dantesco, poderá precipitá-lo? São as perguntas de sempre quando se trata de guerra e paz.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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