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São Paulo, quinta-feira, 27 de fevereiro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

A máxima culpa

RIO DE JANEIRO - Logo após o término do último conflito mundial, os meios acadêmicos discutiram à exaustão a tese da responsabilidade coletiva. Diante dos horrores do nazismo, ficou difícil atribuir tamanha selvageria a um só homem.
Há defensores da responsabilidade coletiva de todo um povo ou de toda a humanidade nos males que provocam a cólera dos deuses e revelam a insânia dos homens.
A acreditar nos relatos do Velho Testamento, o Dilúvio foi uma prova dessa responsabilidade coletiva, salvando-se Noé, sua família e os animais, um casal de cada espécie. O resto foi mesmo tragado pelas cataratas do céu.
Em Sodoma e Gomorra também tivemos a responsabilidade coletiva, que sepultou duas cidades no fogo, salvando-se Lot -cuja mulher olhou para trás e foi transformada em estátua de sal e o próprio Lot transformando-se num tipo de pão que, aliás, eu não aprecio.
Esses fatos parecem dar razão à teoria da culpa coletiva. E aí encaixo a possibilidade de uma culpa também coletiva nessa onda de violência que atravessamos.
Na última segunda-feira, passando pelo Leme, no final da tarde, vi todo o comércio fechado. Oficialmente, um bando de traficantes espalhou o terror na cidade. Mas a culpa seria apenas deles? Ou do Estado? Ou de todos nós, que já nos habituamos à banalidade do crime?
No plano internacional, é fácil catalogar o presidente Bush como um desvairado, um monstro de insensibilidade. Mas, por trás de Bush, há milhões de pessoas que pensam como ele e que querem beber petróleo, ainda que com gosto de sangue.
De minha parte, aprendi a bater no peito e a confessar a minha culpa, a minha máxima culpa.


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