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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Ruína em construção
SÃO PAULO - "Equipamentos
abandonados -como um playground e uma quadra de basquete e
futebol- deixam vestígios de que
ali um dia já houve um jardim público". Publicada pela Folha no início deste mês, a frase constava de
reportagem sobre a praça Ana Maria Poppovic, na avenida Paulo 6º,
continuação da avenida Sumaré, a
poucos metros da estação Sumaré
do metrô. O título já dizia tudo:
"Praça no Sumaré vira vazio urbano com mato alto e lixo espalhado".
Uma arquiteta que costuma fazer
jogging na pista do canteiro central
da avenida comentava: "Sempre esteve assim. Cercado como está,
mais parece uma propriedade particular abandonada".
Numa cidade como São Paulo,
nem é preciso dizer que a prefeitura tem problemas muito maiores e
mais sérios para enfrentar. Por outro lado, se nem as coisas comezinhas são resolvidas...
Mas o que chama a atenção neste
(des)caso exemplarmente trivial
não é isso -e sim a mistura, que parece muito característica da cidade,
entre progresso e deterioração.
Não se trata do abandono de uma
região que foi preterida em benefício de outra, como ocorreu, criminosamente, com o centro histórico
de São Paulo. Trata-se, antes, do
que Caetano Veloso sintetizou
num verso: "Aqui tudo parece que é
ainda construção e já é ruína".
Não é apenas a praça precocemente degradada; se olharmos
bem, a própria avenida Sumaré é o
exemplo típico da obra que não se
sabe ao certo se já se decompõe ou
ainda não foi concluída.
Por volta de 1970, com cinco anos
de idade, eu acompanhava fascinado da janela de casa os tratores
abrindo o leito da avenida. A visão
atual da praça vandalizada ou das
encostas da Sumaré cheias de capim materializa, como nenhuma
outra, a sensação de viver numa cidade em que construção e ruína,
progresso e abandono se embaralham e confundem numa coisa só.
Fico até na dúvida se devo cobrar
Kassab ou... Pedro Álvares Cabral.
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