São Paulo, segunda-feira, 27 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

O gasoduto Venezuela-Brasil-Argentina

CARLOS DE MEIRA MATTOS

O projetado gasoduto Venezuela-Brasil-Argentina será um desafio colossal. Uma enorme obra de engenharia, maior do que a construção de Itaipu, a maior hidrelétrica do mundo. Cruzará verticalmente o território da América do Sul, de ponta a ponta, da Venezuela (Puerto Ordaz) à Argentina (Buenos Aires). Trata-se de projeto inicial que está sendo aprofundado minuciosamente por um grupo de trabalho dos três países, com previsão de conclusão no prazo de seis meses.


O gasoduto é uma enorme obra de engenharia, maior que a construção de Itaipu, a maior hidrelétrica do mundo


Terá cerca de 6.600 km de extensão (linha tronco), enquanto os maiores gasodutos do mundo estão na Europa -península de Yamai (4.107 km)- e nos EUA -Prudhoe Bay-Edmonton (3.444 km). O custo avaliado será 1,5 vezes maior do que o gasto pelo Brasil na construção da usina de Itaipu, com a vantagem de que nossos dois parceiros têm recursos. O projeto prevê inúmeros ramais ao longo do itinerário, ligando a linha tronco a centros consumidores.
Dará uma vazão diária de 150 milhões de metros cúbicos, e o total do investimento dos três países está estimado em cerca de US$ 23 bilhões. O prazo para terminá-lo é de sete a dez anos.
Seu itinerário cortará de norte a sul os territórios da Venezuela, dos Estados brasileiros do Pará, Tocantins, Goiás, Minas Gerais e São Paulo, daí infletindo rumo ao Uruguai e à Argentina. Os projetistas tiveram a preocupação ambientalista de escolher itinerários já abertos nas matas e campos, paralelos a rios, estradas e caminhos.
A idéia de sua construção surgiu do resultado de estudos dos técnicos das empresas petrolíferas de Brasil, Venezuela e Argentina projetando a crise energética que ameaçará os três países nos próximos dez anos, cuja solução será a busca de fontes alternativas. Foi constatado que a América do Sul muito pouco explora a energia do gás, enquanto a Europa e os EUA possuem enormes redes de gasodutos alimentando seus centros consumidores. Influenciou, ainda, a avaliação de que as reservas de gás da Argentina estão escasseando, enquanto a Venezuela dispõe de imensas reservas inexploradas.
Os estudos desse projeto foram revistos no 3º Fórum das Empresas de Petróleo realizado no RJ, em abril de 2005, e, em seguida, no Congresso de Energia da USP, em maio do mesmo ano.
Um memorando de entendimento foi firmado pelos representantes dos três governos em dezembro de 2005.
A execução desse ambicioso projeto enfrentará várias dificuldades previsíveis, tais como: resistência dos grupos ambientalistas radicados aqui e no exterior, inclusive incentivando a resistência de comunidades locais ao longo do seu traçado; irregularidade dos investimentos financeiros dos três parceiros; oscilação dos preços dos produtos industriais necessários à construção; possibilidade de estourar uma grande crise financeira internacional.
Prevê-se que o acréscimo de energia disponível nos países favorecidos pelo gasoduto absorverá o déficit do balanço de oferta e demanda de derivados de petróleo a partir da próxima década.
Durante sua construção, produzirá enorme impacto na geração de novas atividades industriais e na criação de empregos, diretos e indiretos, calculados em várias centenas de milhares.
Se concluído, esse gasoduto Venezuela-Brasil-Argentina constituirá a maior obra de integração física entre os quatro países beneficiários (o Uruguai também é favorecido, embora não tenha assinado o memorando). Possibilitará, no futuro, a ambiciosa projeção de um anel energético sul-americano, prolongando-se por Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia e fechando na Venezuela, aproveitando, ao longo do seu traçado, as reservas de gás do Peru e da Bolívia.
O velho sonho de integração da América do Sul, nunca alcançado, se torna cada vez mais presente. Na conjuntura globalizadora em que vive o mundo, em que predomina o valor do poder econômico, só os grupos regionais integrados adquirem peso competitivo. Excetuam-se desse imperativo apenas os Estados Unidos e a China. Os países desenvolvidos e ricos da Europa já deram esse exemplo, criando a União Européia.
Vimos afirmando que continuará um sonho pensar em integrar este subcontinente sem uma vinculação física entre nossos países -sistemas de transportes conjugados, acesso via terrestre aos dois oceanos opostos, Atlântico e Pacífico, rede energética interfronteiras.
Para a realização dessa efetiva integração, a concretização do gasoduto, aumentando a capacidade de energia para aplicar em novos programas de desenvolvimento econômico e social dos países participantes, refletirá substancialmente no fortalecimento da capacidade competitiva do bloco sul-americano.
O Brasil, há quatro décadas, foi capaz de enfrentar, em parceria com o Paraguai, o desafio de construir Itaipu, a maior usina hidrelétrica do mundo, arcando com quase todo o enorme custo da obra. Não fora isso, nossa sociedade estaria, hoje, à beira da ameaça de um colapso energético. Agora, estamos diante de um desafio maior, cujos benefícios não podemos ignorar.

Carlos de Meira Mattos, 92, general reformado do Exército e doutor em ciência política, é veterano da Segunda Guerra Mundial e conselheiro da Escola Superior de Guerra.


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Jorge da Cunha Lima: Serra: sair ou sair

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.