|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Qual futuro?
PARA OS países, tal qual como
para as pessoas, há um caminho de menor resistência. É o
rumo demarcado por tendências
predominantes e por hábitos arraigados: a trajetória que menos exige
autotransformação. Nunca é a via
do engrandecimento, pavimentada
com as dores da reconstrução de
nós mesmos.
O que, por esse caminho de menor resistência, será o Brasil em
meados desse século já se define
com clareza que nos deve perturbar. Potência média no Atlântico
sul, vista com simpatia por todas as
outras nações, porém não considerada por qualquer delas fonte de
inspiração.
Sociedade cheia de vida, tolerante, violentamente desigual, com visão modesta de si mesma, ainda
habituada a imitar os países de
maior poder e prestígio, com algumas dezenas de famílias riquíssimas, com muitos pobres e com
classe média insegura, descrente
do Brasil e voltada para seus afazeres privados.
Economia montada sobre esplêndida base de recursos naturais,
e um dos grandes produtores de
grãos do mundo, com muitas ilhas
de excelência em matéria de indústria e de serviços, mas basicamente
ocupando o papel de seguidor em
quase tudo (menos no setor de
energia), com multidão de iniciativas empresariais, pequenas e grandes, prontas para compensar, graças a força de trabalho ainda relativamente barata e quase sempre flexível e engenhosa, sua relativa falta
de conhecimento avançado e de
tecnologia de ponta.
Cultura sedutora, sobretudo em
sua expressão popular, porque sem
rival na capacidade de encarnar o
esforço para reconciliar a grandeza
pagã com o amor cristão, por nós
vistos como pujança e ternura, porém sempre arriscada a virar folclore inconseqüente, desfalcada de
movimentos de pensamento original, ainda que contando com alguns artistas e cientistas de primeira ordem, sem universidades
capazes de rivalizar com as grandes
universidades do mundo, com sistema educacional que mal consegue chegar à média mundial e com
predisposições hostis às rebeldias
visionárias e vazias de esperança
transformadora.
Basta isso? Não basta. Quem
abraça como suficiente essa mediocridade trai o Brasil porque dele
desespera. Seja esse o momento
em nossa história nacional em que
decidimos partir para outra, em
que abandonamos algo de nosso
mundanismo e de nossa falta de
imaginação, em que começamos a
nos Quixotizar um pouco e em que,
determinados a dar instrumentos à
energia que fervilha, frustrada, no
país, dissemos um grande não, para
poder dizer um grande sim.
www.robertounger.net
ROBERTO MANGABEIRA UNGER escreve às
terças-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: O Brasil e o jeito Próximo Texto: Frases
Índice
|