São Paulo, terça-feira, 27 de março de 2007

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Qual futuro?

PARA OS países, tal qual como para as pessoas, há um caminho de menor resistência. É o rumo demarcado por tendências predominantes e por hábitos arraigados: a trajetória que menos exige autotransformação. Nunca é a via do engrandecimento, pavimentada com as dores da reconstrução de nós mesmos.
O que, por esse caminho de menor resistência, será o Brasil em meados desse século já se define com clareza que nos deve perturbar. Potência média no Atlântico sul, vista com simpatia por todas as outras nações, porém não considerada por qualquer delas fonte de inspiração.
Sociedade cheia de vida, tolerante, violentamente desigual, com visão modesta de si mesma, ainda habituada a imitar os países de maior poder e prestígio, com algumas dezenas de famílias riquíssimas, com muitos pobres e com classe média insegura, descrente do Brasil e voltada para seus afazeres privados.
Economia montada sobre esplêndida base de recursos naturais, e um dos grandes produtores de grãos do mundo, com muitas ilhas de excelência em matéria de indústria e de serviços, mas basicamente ocupando o papel de seguidor em quase tudo (menos no setor de energia), com multidão de iniciativas empresariais, pequenas e grandes, prontas para compensar, graças a força de trabalho ainda relativamente barata e quase sempre flexível e engenhosa, sua relativa falta de conhecimento avançado e de tecnologia de ponta.
Cultura sedutora, sobretudo em sua expressão popular, porque sem rival na capacidade de encarnar o esforço para reconciliar a grandeza pagã com o amor cristão, por nós vistos como pujança e ternura, porém sempre arriscada a virar folclore inconseqüente, desfalcada de movimentos de pensamento original, ainda que contando com alguns artistas e cientistas de primeira ordem, sem universidades capazes de rivalizar com as grandes universidades do mundo, com sistema educacional que mal consegue chegar à média mundial e com predisposições hostis às rebeldias visionárias e vazias de esperança transformadora.
Basta isso? Não basta. Quem abraça como suficiente essa mediocridade trai o Brasil porque dele desespera. Seja esse o momento em nossa história nacional em que decidimos partir para outra, em que abandonamos algo de nosso mundanismo e de nossa falta de imaginação, em que começamos a nos Quixotizar um pouco e em que, determinados a dar instrumentos à energia que fervilha, frustrada, no país, dissemos um grande não, para poder dizer um grande sim.


www.robertounger.net

ROBERTO MANGABEIRA UNGER
escreve às terças-feiras nesta coluna.


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