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MARINA SILVA
Com o nosso chapéu
NA SEMANA que passou, a
Folha trouxe excelente reportagem (22/4, Dinheiro)
de Marta Salomon mostrando,
com base em estudo da organização não governamental Amigos da
Terra ("A Hora da Conta: Pecuária,
Amazônia e Conjuntura"), o avanço da pecuária na Amazônia e, especialmente, a migração para lá de
grandes frigoríficos, com recursos
do BNDES.
Nada contra a pujança do setor.
Tudo contra a maneira anárquica e
predatória como se instala na
Amazônia, alavancada por dinheiro público e sem condicionantes
sociais e ambientais. Até com certa
afronta, o presidente da associação
que representa os grandes frigoríficos fecha questão: "Não dá para
ter condicionantes. Acabar com o
abate de gado de origem ilegal é desejável, mas impraticável".
E como fica o governo e suas
normas de proteção ambiental
(decreto presidencial do final de
2007) que determinam a criminalização de toda a cadeia produtiva
originada de práticas ilegais?
Para conceder Bolsa Família,
acertadamente são exigidas várias
contrapartidas dos beneficiários.
Por que não se faz o mesmo com
outros setores, aos quais nada se
pede em troca?
O uso de ferramentas econômicas para redirecionar ou criar novos processos em benefício de toda
a sociedade é dever do Estado, e
sem isso ficaríamos sempre presos
à teia dos interesses imediatistas e
de seu pragmatismo. Mas falta ao
Estado brasileiro inteligência estratégica para extrair dos empreendimentos um plus na forma
de nova qualidade na produção, de
compromissos para além da realização dos objetivos de negócio.
O BNDES, no fundo, usa recursos da sociedade contra ela mesma. Se abre o cofre sem qualificar
social e ambientalmente o resultado que espera do investimento, em
lugar de contribuir para o cumprimento das leis, financia o desprezo
por elas até o ponto de os beneficiários declararem em alto e bom
som que não vão cumpri-las. E
ponto final.
Nunca houve discussão séria sobre as dimensões que cercam o
apoio ao setor agropecuário. A
agenda tradicional fala só de anistia, perdão de dívida, créditos subsidiados. Com a conivência dos governos, que não as exigem, não se
fala de contrapartidas na forma de
colaboração para proteger rios e
florestas, potencializar o uso correto da biodiversidade e outros
itens de interesse coletivo.
O irônico é que os cuidados ambientais revertem em benefício da
própria produção, no longo prazo.
Que parte do agronegócio se recuse a pensar nesses termos é lastimável, mas compreensível. O que
não dá para entender -nem aceitar- é que as instituições públicas
operem na mesma lógica.
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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