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Polícia e bandido
Cabe à Justiça coibir os eventuais abusos da PF; mas o risco maior não é de um Estado policial, e sim de um sistema mafioso
ABUSOS, descontroles,
excessos, exageros: generalizam-se, nos
meios políticos e jurídicos, as críticas à atuação da Polícia Federal durante a Operação
Navalha. Estaria exorbitando de
suas funções? A acusação é das
mais graves, e exige discussão
minuciosa da sociedade a cada
episódio concreto que a possa
fundamentar.
Mas o que no momento parece
acima de qualquer discussão, dada a sua evidência, é a presença
de exageros, excessos, abusos e
descontroles de outro tipo: os
que caracterizam a relação de
políticos dos mais variados partidos brasileiros com as empreiteiras de obras públicas.
Recaem sobre ninguém menos
do que o presidente do Senado
Federal, Renan Calheiros, as últimas denúncias de favorecimento. A empreiteira Gautama,
que até agora assumia o primeiro
plano do noticiário, passa a compartilhá-lo com a Mendes Júnior, de onde provinham, segundo a revista "Veja", mais do que
mimos institucionais de fim de
ano ao senador peemedebista.
Ainda que conspícuos, como
não poderia deixar de ser o de
Renan Calheiros, os casos suspeitos e os escândalos anunciados ultrapassam o plano individual. Se, no campo das investigações, é necessário apurar com
precisão e sem prejulgamento as
responsabilidades de cada político em particular, sobram evidências de que o país se encontra exposto à voracidade de uma corrupção sistêmica, capaz de tornar a ilegalidade, a burla, o roubo
e a desfaçatez inerentes ao próprio funcionamento do Estado.
Abusos, excessos, exageros?
De parte da Polícia Federal? Talvez. Com certeza, entretanto, de
parte de um político como o governador baiano Jaques Wagner.
Depois de passear, em companhia da ministra Dilma Rousseff,
numa lancha cedida pelo dono
da Gautama, declarou ter-se esquecido de quem lhe prestara a
gentileza. "Domingo de sol, você
passeando, uma cervejinha...",
explicou Wagner, com serenidade apolínea, seu momentâneo
congraçamento com Gautama e
Dionísio.
Longe das águas da baía de Todos os Santos, nítido exagero
também se verifica no estilo administrativo do governador
Jackson Lago, do Maranhão.
Contrapondo-se ao domínio do
clã Sarney em seu Estado, o pedetista elegera-se com o lema de
que o Maranhão deixaria de ser
governado "por uma só família".
Cumpriu a promessa. Duas dezenas de membros da sua própria
foram contemplados com cargos
administrativos, e dois sobrinhos seus se encontram no foco
da Operação Navalha.
Casos pitorescos à parte, tudo
indica que está em curso uma investida multipartidária no sentido de reduzir o impacto desmoralizador que a operação policial
impôs ao sistema político brasileiro. É do conhecimento geral
que das empreiteiras se originam doações milionárias para
candidatos de praticamente todos os partidos; não surpreende
que, ao iniciar suas investigações
nessa seara, a Polícia Federal
passe a ser objeto de críticas.
Vazamentos de informação,
assim como prisões espetaculosas de cidadãos sem antecedentes criminais, podem ser vistos,
com razão, como potencial
ameaça às liberdades constitucionais. Cabe à Justiça garanti-las, limitando eventuais arbítrios
da polícia. A probabilidade de
que se instaure no país um Estado policialesco é, entretanto, remota; mais forte, sem dúvida, é a
de estarmos diante de um sistema político mafioso -e que dele
provenham, com crescente ênfase, resistências à ação policial.
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