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MARCOS NOBRE
Brasil, 1968
A PIOR SAUDADE é daquilo
que não se viveu. O saudosismo de 68 no Brasil tem
muito do que ficou só na promessa.
A ditadura militar amputou um
movimento que poderia ter sido
muito mais do que foi. Produziu
ainda um outro efeito limitador,
talvez mais importante: separou o
68 brasileiro em duas metades,
uma política, outra cultural.
As imagens mais poderosas do
68 norte-americano ou francês
mostram uma revolução que não
separava política e cultura, que
pensava a encenação pública das
transformações do cotidiano como
a nova política. Foi essa união que
não se completou no Brasil.
Nossa parca tradição democrática e a repressão ditatorial empurraram para uma concepção estreita de ação política, em boa medida
calcada na experiência dos partidos de esquerda tradicionais. E foi
essa metade política limitada que
dominou o 68 brasileiro, enquadrando sua metade cultural.
No Festival Internacional da
Canção de 1968, Caetano Veloso
defendeu, com "Os Mutantes", a
música "É Proibido Proibir", slogan do 68 francês. Foi recebido
com ovos, tomates e vaias. Sua resposta foi um longo discurso em que
disse: "Se vocês, em política, forem
como são em estética, estamos
feitos".
Disse ainda: "Vocês têm coragem
de aplaudir, este ano, uma música,
um tipo de música, que vocês não
teriam coragem de aplaudir no ano
passado". Foi certeiro. Quem no
auditório sobreviveu à ditadura ou
não estava no exílio curtiu como
nunca antes o seu disco "Qualquer
Coisa", de 1975.
Isso porque, a partir de 1974, o
general de plantão adotou uma estratégia de descompressão seletiva
e gradual. A idéia parecia ser a de liberar a circulação de alguns bens
culturais com muito maior velocidade do que fazer a "abertura política". A censura continuava, mas o
diminuto público universitário podia ler Marx e ouvir Caetano.
Foi nesse novo quadro ainda restritivo que a metade cultural de 68
surgiu sem estar mais subordinada
à política. Mas também sem manter com a política aquela união prometida em 68.
Quando a esfera pública brasileira voltou às ruas, a partir de 1977,
havia já novidades importantes nas
formas de organização política do
movimento pela redemocratização. É possível mesmo que a metade política estivesse mais bem preparada para lidar com sua metade
cultural de uma maneira que não a
da subordinação. Mas a metade
cultural já tinha tomado rumos
próprios.
O período que vai de 1977 a 1985
trouxe a sensação de que algo ia se
completar, que iam finalmente se
juntar as duas metades separadas
em 1968. Mas o país e o mundo já
eram outros.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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