São Paulo, quinta-feira, 27 de junho de 2002

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OTAVIO FRIAS FILHO

Os mais iguais

Os indícios reunidos pelo Ministério Público sugerem que a conversão do PT em partido "convencional", semelhante aos demais, é um processo que não apenas está em curso mas se encontra em estágio muito mais avançado do que seria razoável supor. Já não se pode dizer que seus métodos de financiamento eleitoral sejam diferentes.
O roteiro é conhecido em qualquer democracia eleitoral. Custa caro vencer eleições. Monta-se um esquema pelo qual empresas contribuem, de bom grado ou não, para o caixa eleitoral paralelo em troca da expectativa de serem aquinhoadas pelo governante eleito com contratos vultosos e outras vantagens.
É só uma questão de tempo para que certos intermediários de tais operações passem a irrigar não só as finanças do partido mas as suas próprias. Seria prematuro avaliar o nível de deterioração moral do esquema petista. Não resta muita dúvida de que a "modelar" gestão em Santo André (SP) era o foco de onde o esquema estendia seus tentáculos.
Com exatidão quase cronológica, o PT vem repetindo passo a passo o percurso pelo qual se formou a social-democracia na Europa, há cerca de um século. Num primeiro momento, trata-se de um movimento operário agressivo e radical, que se coloca não raro fora da legalidade para obter conquistas que sua posição na economia lhe permite impor.
Numa segunda fase, esse movimento se decanta numa organização política que tergiversa entre revolução e reforma, as duas faces conceituais de sua existência bifronte, voltada, por um lado, para a militância social extraparlamentar e inserida, por outro, na rotina partidária das organizações com representação no Parlamento.
Numa terceira etapa, a conquista de responsabilidades executivas acarreta uma performance cada vez mais "moderada", o predomínio da tática sobre a estratégia e o aumento do controle da burocracia dirigente sobre o partido como um todo. Os "princípios" mantêm seu valor de face, mas o que vale mesmo são as conveniências de caráter prático.
Nada disso é invenção brasileira. O leitor interessado vai encontrar o mesmo processo descrito em detalhes na obra de Robert Michels, autor de texto, hoje clássico, publicado antes da Primeira Guerra Mundial, no qual o sociólogo alemão expõe sua "lei de bronze" das oligarquias partidárias numa argumentação que nos limitamos a resumir aqui.
No momento, o PT corre dois riscos. O primeiro, com as óbvias consequências eleitorais, é disseminar-se a impressão de que sua virada para o centro implica não somente a adoção de teses centristas mas também a de métodos pelos quais os partidos tradicionais merecem o repúdio crônico de grande parcela da população, para quem "políticos são todos iguais".
O outro risco é o de desfigurar sua imagem "alternativa" a troco de nada caso perca as eleições. Como é sabido que a política funciona conforme uma lógica de saturação, que comanda movimentos pendulares, não será surpresa que as facções xiitas, hoje contidas, se fortaleçam perante a direção que terá levado o partido à quarta derrota.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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