São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Leitores de bula

SÃO PAULO - No início do governo Lula, no ano passado, um dos principais auxiliares do ministro Antonio Palocci mostrou-se extasiado, em Davos, por reunir-se com o que ele próprio chamava de "livros-texto" (de economia, obviamente).
Queria dizer que quase todos os economistas com os quais se avistara, à margem do encontro anual do Fórum Econômico Mundial em 2003, haviam escrito um clássico sobre algum item específico da economia.
Na hora, não estranhei muito. Se houvesse clássicos de jornalismo, talvez eu também me entusiasmasse ao conversar com seus autores.
Mas, depois, foi ficando evidente que esse entusiasmo pelos manuais é a origem da medíocre política econômica adotada pelo governo Lula.
Como o presidente não entende de economia (o que ficou ainda mais claro pela sua irritação ao negar que siga, basicamente, o manual herdado do governo anterior), tem de orientar-se pelo que diz o seu ministro da Fazenda.
Como o ministro da Fazenda admite só entender o básico, tem de pautar-se pelo que dizem seus assessores. Como os assessores se entusiasmam com "livros-texto", não têm nem ousadia nem vôo próprio para propor algo que não seja o mais mofino feijão-com-arroz.
É bom deixar claro que não tenho nada contra "livros-texto". Não é necessário reinventar a roda ou repetir erros que outros já cometeram só para parecer inovador ou por desprezar o conhecimento acumulado.
Mas limitar-se aos clássicos -e, mais que isso, deslumbrar-se com eles- é limitar o alcance das políticas adotadas ao que deu certo em determinadas condições políticas, econômicas e sociais necessariamente diferentes das do Brasil.
Economia não é ciência exata para deixar a política econômica a cargo de meros leitores de bula.


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