São Paulo, sábado, 27 de julho de 2002

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LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Sebastião, meu amigo

Desde que cheguei a Mariana, MG, há quase 15 anos, fiquei conhecendo Tião, o pipoqueiro da praça Gomes Freira. Ao sair de casa para ir à catedral, quase sempre me encontrava com ele. Seu carrinho de pipoca ficava entre o coreto e o museu, sob uma frondosa árvore que lhe garantia a sombra nas horas de sol.
Sebastião da Silva Borges, Tião, tinha mais de 60 anos. Simpático, comunicativo. Falava com todos os que passavam a caminho da Sé. Gostava de brincar, contando piadas para alegrar os outros. As crianças vinham ver de perto o carrinho de pipoca. Tião não fazia questão de dinheiro. Aos mais pobrezinhos, dava de graça um punhado de amendoim torrado ou um pedaço de doce de leite.
Pouco a pouco, fui conhecendo esse homem bom. Estava a par dos acontecimentos do dia, graças ao radinho estridente e sempre ligado. Orientava os turistas. Enternecia-se diante do sofrimento. Falava sempre de seus "filhos". Eram muitos. Tião não era casado, mas, com o auxílio de sua irmã, cuidava de dezenas de crianças sem família, trabalhando dia e noite para sustentá-las. Preocupava-se com a saúde e os estudos dos que ia acolhendo ao longo dos anos. Criou mais de 30 "filhos". Queria bem a todos.
Perguntei-lhe uma vez como conseguia alimentar tantas crianças. Apontou, sorrindo, para o carrinho de pipoca e para as maçãs açucaradas. Dizia que Deus cuidava dos filhos e não permitia que faltasse nada. Contava, também, com o apoio de gente boa no bairro pobre onde morava, em Ouro Preto, de onde vinha todos os dias para Mariana.
Com o passar dos anos, Tião já não conseguia vender tanta pipoca. Outros carrinhos mais modernos e iluminados ocuparam a praça, atraindo os turistas. Tião nunca perdeu o bom humor. Procurava compensar as poucas entradas com vendas maiores nas cidades vizinhas, em dias de festa, e assim continuava alimentando -com seu carrinho- as dezenas de filhos que Deus lhe dava. Sofreu muito com a doença e o falecimento precoce de alguns de seus filhos e filhas e, mais ainda, com a morte de sua irmã.
Nos últimos meses, percebi que Tião já não era mais o mesmo. Denotava cansaço. Emagreceu. Sentava-se no banco da praça e quase não dava atenção às pipocas.
Quinta-feira à noite (25/7), correu a notícia. Tião tinha morrido. Fui logo ao velório em Ouro Preto. Seus amigos estavam em volta do corpo coberto de flores brancas. Sereno, Tião parecia sorrir.
Ficamos rezando e agradecendo a vida simples desse homem bom e generoso. Muitas crianças conseguiram viver graças ao afeto de Tião e ao carrinho de pipoca. A dedicação de Sebastião é exemplo para nós. Era um homem de fé. Amava a Deus e ao próximo como Jesus ensinou.
Com seu trabalho humilde -sob sol e chuva-, mal agasalhado nos dias de inverno, confiava em Deus, vendia pipoca para ganhar o dinheirinho que repartia com os mais pobres do que ele. Não tinha outra ambição do que viver a caridade, fazendo o bem.
Deus acolhe no céu a quem acolheu tantas vidas em sua casa, nesta terra.
Sorrindo, Tião, conversando com todos, estará abraçando muitos "filhos" que amou e educou para a felicidade.


D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.



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