São Paulo, sábado, 27 de julho de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

Aviso aos navegantes

RIO DE JANEIRO - Amigo meu, que não via há tempos, convida-me para jantar e desabafa: "Durante anos, habituei-me a ler pelo menos dois jornais por dia. Levava uma hora, aos domingos hora e meia para lê-los. Hoje, assino quatro jornais e gasto a média de 15 a 20 minutos para ler todos eles. Sou eu que fiquei burro ou foram os jornais que deixaram de ser interessantes?".
Pergunta difícil de ser respondida por um cara que trabalha em jornal. A primeira vontade que me deu foi atribuir o desinteresse ao que está se passando na cidade, no Brasil, no mundo, ao tédio causado pela idade, pelo cansaço de tudo.
Mas o meu amigo não chega a ser velho, tem 55 anos. Se fosse cardeal, seria muito jovem para ser eleito papa. A alternativa que sobrava era entrar no mérito do que ele me confessara: os jornais ficaram monótonos, cansativos, grudados ao dia-a-dia. Na Copa do Mundo, o noticiário era compactado no futebol. Agora, nas eleições.
O lado humano da sociedade, o cidadão comum que não mata nem é assassinado, as coisas do arco-da-velha que acontecem por aí, a miúda contingência dos mil acidentes da carne e do espírito de todos nós são assuntos relegados a pequeninas notas ou a nota alguma.
Poderia responder que a normalidade não é assunto nem merece registro. Antigamente, na "Hora do Brasil", havia um bloco que tinha como título: "Aviso aos navegantes". Bóias de luz temporariamente apagadas, um porto em greve, zonas proibidas à navegação por manobras militares, coisas assim constituíam o noticiário.
Mas havia dias em que o locutor oficial, com a entonação de sempre, anunciava: ""Aviso aos navegantes". E o segundo locutor acrescentava: "Não há aviso aos navegantes".
Segundo o meu amigo, os jornais deviam imitar o exemplo. Abrir manchetes nas primeiras páginas de cada caderno avisando que não há nada para noticiar.



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