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CARLOS HEITOR CONY
Aviso aos navegantes
RIO DE JANEIRO - Amigo meu, que não via há tempos, convida-me para
jantar e desabafa: "Durante anos,
habituei-me a ler pelo menos dois
jornais por dia. Levava uma hora,
aos domingos hora e meia para lê-los. Hoje, assino quatro jornais e gasto a média de 15 a 20 minutos para
ler todos eles. Sou eu que fiquei burro
ou foram os jornais que deixaram de
ser interessantes?".
Pergunta difícil de ser respondida
por um cara que trabalha em jornal.
A primeira vontade que me deu foi
atribuir o desinteresse ao que está se
passando na cidade, no Brasil, no
mundo, ao tédio causado pela idade,
pelo cansaço de tudo.
Mas o meu amigo não chega a ser
velho, tem 55 anos. Se fosse cardeal,
seria muito jovem para ser eleito papa. A alternativa que sobrava era entrar no mérito do que ele me confessara: os jornais ficaram monótonos,
cansativos, grudados ao dia-a-dia.
Na Copa do Mundo, o noticiário era
compactado no futebol. Agora, nas
eleições.
O lado humano da sociedade, o cidadão comum que não mata nem é
assassinado, as coisas do arco-da-velha que acontecem por aí, a miúda
contingência dos mil acidentes da
carne e do espírito de todos nós são
assuntos relegados a pequeninas notas ou a nota alguma.
Poderia responder que a normalidade não é assunto nem merece registro. Antigamente, na "Hora do
Brasil", havia um bloco que tinha como título: "Aviso aos navegantes".
Bóias de luz temporariamente apagadas, um porto em greve, zonas
proibidas à navegação por manobras
militares, coisas assim constituíam o
noticiário.
Mas havia dias em que o locutor
oficial, com a entonação de sempre,
anunciava: ""Aviso aos navegantes".
E o segundo locutor acrescentava:
"Não há aviso aos navegantes".
Segundo o meu amigo, os jornais
deviam imitar o exemplo. Abrir
manchetes nas primeiras páginas de
cada caderno avisando que não há
nada para noticiar.
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