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TENDÊNCIAS/DEBATES
Os preços dos combustíveis devem voltar a ser controlados?
NÃO
Esse filme eu já vi
DAVID ZYLBERSZTAJN
A emenda constitucional nš 9, de
1995, flexibilizou o monopólio estatal da exploração de petróleo e gás (até
então exclusividade da Petrobras) e determinou a criação de um órgão regulador, voltado ao estabelecimento das regras para os novos agentes que deveriam entrar no processo produtivo do
setor -como de fato ocorreu.
A lei 9.478 (Lei do Petróleo), de agosto
de 1987, disciplinou, além da criação da
ANP (Agência Nacional do Petróleo), as
diretrizes gerais da política energética
nacional, os mecanismos de passagem
para um mercado competitivo; criou o
CNPE (Conselho Nacional de Política
Energética) e estabeleceu um período
de transição para a total desregulamentação dos preços do petróleo e derivados (art. 70). Durante essa transição, os
preços para as distribuidoras seriam estabelecido pelos ministérios da Fazenda
e de Minas e Energia (art. 69). Encerrada a transição, os preços do petróleo e
derivados foram liberados, por força legal, em janeiro de 2002. Em resumo: órgão regulador, novos agentes, concorrência e preços livres.
O governo considera que o preço do
GLP (o gás de cozinha de botijão) está
alto. Vagamente, atribui-se, segundo
autoridades, a uma distorção da concorrência os elevados reajustes no preço
ao consumidor. Propõe-se um tabelamento, uma ação da ANP semelhante à
da Aneel (que fixa as tarifas de energia
elétrica), além de uma determinação do
CNPE fixando diretrizes para a ANP
-uma sucessão de equívocos técnicos,
jurídicos e conceituais. A conferir:
Essas propostas jogam por terra toda
a política de abertura do setor petrolífero. Investidores diretos ou acionistas da
Petrobras (incluindo os pequenos investidores que aí aplicaram seu FGTS)
devem estar se perguntando o que poderá vir depois. Não cabe à ANP fixar
preços. Combustíveis não são regidos
por tarifas, mas, como qualquer commodity, pelas cotações internacionais.
Nem a ANP nem outro órgão qualquer
do governo podem, legalmente, tabelar
preços. A intervenção econômica por
meio de fixação de preços não é prerrogativa do órgão regulador.
Por outro lado, a ANP deverá notificar
os órgãos de defesa da concorrência, se
constatar fatos que possam configurar
indícios de infração à ordem econômica
(art. 10 da Lei do Petróleo). Já o CNPE é
um órgão consultivo da Presidência da
República, não tendo competência para
regular o preço dos derivados. Suas atribuições, pelo artigo 2, esgotam-se na
"proposição de medidas ao presidente
da República", que, no caso de derivados, devem contemplar o estabelecimento de "diretrizes" para assegurar "o
adequado funcionamento do Sistema
Nacional de Estoques Estratégicos". A
seta de comandos, portanto, está invertida. Não pode o CNPE baixar, diretamente, nenhuma diretriz para a ANP.
Por último, mas não menos importante, quem paga a conta? Estaremos
criando uma nova conta-petróleo e novos rombos no caixa da Petrobras? Queremos ao mesmo tempo aumentar sua
capacidade de investimentos, aumentando sua produção e capacidade de refino, cortando suas receitas? E nas empresas que eventualmente queiram (ou,
a esta altura, queriam) competir com a
estatal? Um tabelamento seria um enorme retrocesso, limitando a entrada de
capitais no setor e impedindo uma
maior competição ao longo do tempo,
com evidentes prejuízos à sociedade.
Viva, pois, a volta do monopólio oficial? Imaginem a Petrobras, que acaba
de realizar importante aquisição na Argentina, ser obrigada, pelo governo local, a vender, internamente, seus produto em pesos, com preços tabelados.
Grande negócio...
No final das contas, estaremos descartando um dos mais bem-sucedidos programas de atração de investimentos
produtivos, de desenvolvimento científico e tecnológico nacional e de imensa
quantidade de geração de empregos.
Fim do mistério: a verdadeira explicação para os recentes aumentos resume-se à retirada dos subsídios anteriormente existentes no preço do GLP (como
política formal de governo) e à forte expansão do câmbio. A Petrobras ainda
detém posição dominante em quase todos os elos da cadeia do petróleo e do
gás natural. Essa liberdade de preços deve ser vigiada, dada tamanha assimetria
do poder de mercado entre agentes do
setor. Tais ações devem, igualmente, ser
empreendidas em relação ao oligopólio
das empresas distribuidoras de GLP.
Se existem práticas concorrenciais
inadequadas, que sejam acionados os
mecanismos existentes para coibi-las.
Que seja dada mais transparência à política de formação dos preços ao consumidor. Que se estabeleçam subsídios
aos consumidores de baixa renda. Que
se desenvolvam campanhas de eficiência no uso de combustíveis. Que sejam
estabelecidas políticas claras de estímulo a investimentos para implementação
da concorrência. Por fim, que não sejam
destruídas conquistas estruturais por
motivações conjunturais.
Por favor, senhores, não precisamos
caçar botijões no pasto.
David Zylbersztajn, 48, engenheiro mecânico,
é doutor em economia da energia pela Universidade de Grenoble (França). Foi secretário de
Energia do Estado de São Paulo (governo Mário
Covas) e diretor-geral da ANP.
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