São Paulo, sábado, 27 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os preços dos combustíveis devem voltar a ser controlados?

SIM

O caminho para um preço justo

MAURICIO TIOMNO TOLMASQUIM

O expressivo aumento do preço do GLP no decorrer deste ano é fruto do modelo adotado pelo governo federal para o setor de derivados de petróleo. A idéia básica desse modelo -aliás, não muito original- consistiu em seguir cegamente a mesma cartilha empregada no setor elétrico, na tentativa de introduzir a competição na produção e venda dos derivados de petróleo.
Contudo, para atrair interessados em importar os derivados, através de lei, vinculou-se, num primeiro momento, o preço interno dos mesmos ao do mercado internacional. Ou seja, para que este modelo funcionasse, foi preciso fazer com que os preços de realização das refinarias da Petrobras oscilassem conforme a variação dos preços dos derivados no mercado externo e a cotação do dólar. O efeito do modelo é facilmente compreensível: quando caíam os preços dos derivados de petróleo no mercado internacional ou havia uma valorização cambial, os consumidores brasileiros ganhavam -parcialmente, já que as distribuidoras e os revendedores aproveitavam para aumentar suas margens.
Mas, quando os preços externos subiam ou havia uma desvalorização cambial, os consumidores sofriam as consequências. Perdemos, com isso, uma das grandes vantagens do aumento da produção nacional de petróleo, que é a redução da vulnerabilidade externa.
Atualmente não existe mais essa vinculação legal entre o preço dos derivados no mercado interno e no mercado externo. Contudo, nitidamente, a política de preços da Petrobras continua a se orientar pelo mercado internacional. Vale dizer, a situação da Petrobras nesse aspecto não é muito cômoda. Se segue os preços internacionais, é vista como vilã; se reduzir muito os seus preços em relação ao mercado internacional, será acusada de impedir a entrada de novos investidores e a livre concorrência.
A liberação dos preços para o consumidor e dos preços de faturamento das companhias distribuidoras foi uma outra característica do modelo. A idéia básica é a mesma: a competição entre os distribuidores e entre os revendedores levará a uma baixa de preço. Contudo o aumento da competição e a entrada de novas distribuidoras foram acompanhados pela adoção de práticas danosas aos Estados da Federação e aos consumidores.
Os Estados perderam com a proliferação de práticas como o não-pagamento do ICMS sob a alegação de que os derivados seriam ofertados a outros Estados, apesar de o produto ser destinado ao próprio Estado. Os consumidores perderam duplamente, com o aumento no preço do combustível, devido às altas margens das distribuidoras e revendedoras, e com a adulteração de derivados, por meio da adição de solventes e água ao combustível.
No caso específico do gás de cozinha, o impacto sobre o consumidor foi ainda maior, pois o aumento das margens de lucro das distribuidoras e dos revendedores somou-se ao fim do subsídio cruzado, que vigorava entre combustíveis e que fazia com que o preço de derivados voltados para a camada mais abastada da população, como a gasolina, subsidiassem o preço dos derivados essenciais, como o GLP.
O controle de preço dos derivados é importante, sendo que o do GLP se faz urgente, de maneira a coibir as altas margens de lucro de distribuidoras e revendedores de gás. Ele é um bem essencial para milhões de famílias. Não é admissível que o preço do botijão tenha subido, neste ano, 32,41%, quando a inflação, medida pelo IPC-A, foi de 2,94%.
O aumento abusivo de preços do GLP, justamente em um ano eleitoral, tem levado o governo a uma "crise de nervos". Contudo as mudanças, apesar de urgentes, devem ser feitas com prudência. Não cabe ao CNPE baixar uma diretriz para que a ANP tenha um papel mais ativo na regulação do preço dos combustíveis, como foi anunciado pelo presidente da República. A ANP não está subordinada ao CNPE. Portanto é necessário aprovar uma lei para dar tais poderes à ANP.
Além disso, é importante que as medidas a serem tomadas sejam elaboradas com lastro em estudos cuidadosos, de forma a não voltarmos a práticas do passado, quando a Petrobras operava com margem de refino negativa, como forma imposta pelo governo para combater a inflação. Uma Petrobras saudável financeiramente é fundamental para o país. Como é indispensável que haja um marco regulatório adequado, que possibilite à população usufruir dos benefícios de viver em um país que produz grande parte do petróleo que consome.


Mauricio Tiomno Tolmasquim, 43, engenheiro e economista, é coordenador do Centro de Economia Energética e Ambiental da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio.



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