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CARLOS HEITOR CONY
A faísca
RIO DE JANEIRO - Em geral, e ao contrário do presidente Lula, não
aprecio comparações do futebol com
a vida nacional e com a vida particular de cada um de nós. Contudo a vitória do Brasil contra a Argentina, no
último domingo, pode ser aproveitada como uma boa metáfora do nosso
destino comum e pessoal.
Como vimos, o Brasil jogou mal o
tempo todo. Tecnicamente, merecia
ter perdido, parecia até mesmo um time desfibrado, bem distante do Brasil oficial e pentacampeão, merecedor
do nome mais ou menos pejorativo
de Brasil do B, ou seja, um Brasil de
reservas.
No entanto, nos minutos finais,
tanto no primeiro como no segundo
tempo, uma faísca eletrizou os nossos
jogadores, que, de pangarés esfolados, transformaram-se em puros-sangues de raça e de fibra. O gol do
empate final foi realmente uma centelha, parece que uns cinco ou seis jogadores nossos se embolaram com a
defesa argentina e saiu o gol, límpido,
classudo, apesar da confusão, que geralmente enfeia qualquer jogada.
E vieram os pênaltis. Não gosto de
decisão por pênaltis, parece roleta-russa, nem sempre faz justiça ao melhor. Os dois primeiros pênaltis perdidos pelos argentinos -e é aqui que
eu queria chegar- revelaram o desconcerto, o "como é que pode?" que
sempre provocamos quando conseguimos sair do atoleiro e damos
aquele espetáculo que o Ary Barroso
colocou em sua aquarela: "O Brasil
verde que dá para o mundo o que admirar".
São momentos raros, admito, mas
consoladores. Temos tudo para dar
certo, não apenas no futebol mas na
vida em geral. O que precisamos, na
verdade, é desses instantes mágicos,
os "punti luminosi" de que falava
Ezra Pound sobre a poesia.
Em linhas gerais, o time presidido
por Lula continua jogando mal. Pessoalmente, torço para que, num momento de confusão, brilhe uma faísca
que nos ilumine e consagre.
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