São Paulo, terça-feira, 27 de julho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Institucionalidade metropolitana

ANTÔNIO MARCOS CAPOBIANCO

O planejamento é indispensável à gestão. Todavia planejar é também ordenar, regular, restringir, contrariando inevitavelmente objetivos de segmentos da sociedade em benefício do conjunto. Isso vale tanto para o planejamento socioeconômico quanto para o planejamento territorial urbano.
Nas últimas décadas, o planejamento foi atacado à esquerda e à direita. O keynesianismo significou também uma contra-ofensiva ou um "doar os anéis" do capitalismo ante o avanço do socialismo, com maiores intervenção e regulação estatais, maior planificação. Foi acossado à direita por sua natureza restritiva ao "laissez faire", tachado de limitador do crescimento econômico. E o planejamento urbano, "mutatis mutandis", o foi pelas mesmas razões.
À esquerda o planejamento urbano foi fustigado como sustentador do status quo capitalista. Vendo os problemas urbanos como contradição de classes, a esquerda (especialmente a marxista) via o planejamento como amortecedor dessas contradições. Pois o planejamento subsistiu aqui e alhures, com maior ou menor vigor. A consolidação da hegemonia do capitalismo, especialmente nos anos 80, significou também um refluxo do planejamento econômico, mormente nos países periféricos.
A partir de 1973 foram institucionalizadas as primeiras regiões metropolitanas (RMs), com um modelo centralizador e autoritário, mas com recursos consideráveis para a infra-estrutura. A crise fiscal do "milagre" foi evidenciando as insuficiências do modelo ultracentralizador e padronizador das funções públicas de interesse comum.


As regiões metropolitanas apresentam um quadro de pobreza e extrema desigualdade social


A Constituição Federal de 1988 promoveu a descentralização política e tributária, aportando grande autonomia política aos municípios, que galgaram a posição de entes federativos. Esse espírito reativo ao centralismo do regime autoritário contribuiu para debilitar a questão metropolitana na Constituição Federal e nas estaduais. A questão foi tratada de forma um tanto fragmentada. Em São Paulo, a única função pública de interesse comum mencionada claramente foi o transporte coletivo. A participação da sociedade civil também foi colocada de forma genérica.
Com o Executivo estadual tendo a autarquia e o conselho de desenvolvimento da RM a ele vinculados e detendo a maioria da representação, num quadro de escassos recursos financeiros, foi-se dando o esvaziamento progressivo da coordenação da integração intermunicipal.
Cerca de 42% dos municípios brasileiros têm alto índice de exclusão social, e 86% deles estão no Norte/Nordeste. Todavia, esses 42% representam apenas 21% da população -já nas RMs está cerca de 40% da população do país.
Ocorre que as RMs apresentam um quadro de pobreza e extrema desigualdade social. A capital paulista contabiliza cerca de 2.000 favelas. Em 2002 ocorreram 40 chacinas, e em 2003 a média de assassinatos foi de 12 por dia. A desigualdade se reproduz também entre os municípios da RMSP, onde temos São Caetano do Sul entre os cinco mais desenvolvidos do Estado, e outros em péssima situação, como Francisco Morato (606º). Cresce vertiginosamente a população nas periferias, como Parelheiros, totalmente em área de mananciais. Nas RMs verifica-se também maior perda de renda dos 40% mais pobres e maior desemprego.
O governo federal tem demonstrado interesse pela questão. Eventos são organizados pelos governos federal e estadual (Emplasa, no processo de construção da Agenda Metropolitana de Ações Estratégicas); e a Urbis (Prefeitura de São Paulo) deu destaque ao tema neste ano.
Está na Câmara dos Deputados o Estatuto da Metrópole, que institui diretrizes para a Política Nacional de Planejamento Regional Urbano. O projeto de lei atribui ao Ministério das Cidades, de forma articulada com as unidades subnacionais regionais urbanas, a elaboração dos planos nacional, regionais e setoriais urbanos de ordem territorial e de desenvolvimento econômico e social, a serem instituídos por lei. Remete a póstera resolução do ministério as condições da participação da sociedade civil. Não trata dessa participação diretamente nas RMs. Também não interfere na soberania estadual atual em face da agência e do conselho de desenvolvimento da RM.
Já os consórcios intermunicipais, mesmo se regulamentados e com personalidade jurídica, evidentemente não são um sucedâneo do sistema de gestão metropolitana.
Essa insuficiência do atual modelo impõe a renovação do arcabouço institucional que rege as relações intergovernamentais metropolitanas, buscando-se avaliar experiências de outros países, extrair o que há de proveitoso e moldar o formato adequado à nossa realidade política e cultural. Vale dizer, discutir a necessidade de criação de novo ente -federativo ou não-, similar, por exemplo, ao condado ou ao "kreis" alemão, em cujo molde se dissolvam (na medida necessária) a atual autonomia do município metropolitano e a coordenação do Estado-membro, de modo a alcançar a verdadeira governança regional, com o legitimador compartilhamento da gestão pelos diversos segmentos da sociedade.

Antônio Marcos Capobianco é sociólogo da Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Urbano S.A.).


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