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TENDÊNCIAS/DEBATES
Engodo plastificado
XICO GRAZIANO
O governo do Estado de SP veta o projeto de lei que obrigava todo comerciante a usar sacolas erroneamente chamadas de ecológicas
O DIÁRIO Oficial de hoje publica
o veto do governo do Estado de
São Paulo ao projeto de lei
534/07, que obrigava todo comerciante a usar sacolas erroneamente
chamadas de ecológicas.
A partir de um plástico modificado
que, na química, é conhecido pelo nome de polímero oxibiodegradável,
surgiram sacolas plásticas "ecológicas". Aparentemente, a causa é boa.
Mas o projeto é um engodo técnico e
uma marotice política. Um projeto
semelhante foi aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo e vetado
pelo prefeito Gilberto Kassab.
Polímeros são macromoléculas derivadas do petróleo, muito estáveis,
que demoram séculos para se degradarem no meio ambiente. Para contornar essa persistência, tecnologia
baseada em aditivos químicos acelera
a reação do polímero com o oxigênio
do ar, formando novos compostos.
Tal plástico modificado, embora se
degrade mais rapidamente do que o
comum, continua contaminando o
meio ambiente de forma agressiva,
em razão dos catalisadores empregados, derivados de metais pesados como níquel, cobalto e manganês.
Traduzindo em português claro, a
tecnologia permite que o plástico se
esfarele em pequenas partículas, até
desaparecer ao olho nu, mas continua
presente na natureza, agora disfarçado pelo tamanho reduzido. Com um
sério agravante. Quando vier a ser
atacado pela ação dos microrganismos, irá liberar, além de gases de efeito estufa, como CO2 e metano, metais
pesados e outros compostos inexistentes no plástico comum. Pigmentos de tintas, utilizados nos rótulos,
também se misturarão ao solo.
O efeito do projeto de lei vetado seria visual, e não ecológico, portanto. A
questão fundamental não reside em
caracterizar um produto como biodegradável ou não. Esgotos domésticos
são essencialmente formados por
materiais orgânicos biodegradáveis,
mas se tornaram os maiores poluentes de nossos rios.
As sacolas plásticas oxibiodegradáveis se decompõem mais cedo na natureza que as de plástico comum. Poderão, entretanto, causar um efeito
contrário na educação ambiental, induzindo a sociedade a relaxar o zelo
na disposição dos detritos urbanos.
A saída correta para o problema
dos resíduos sólidos reside no consumo sustentável, que levará ao lixo mínimo. A reciclagem, a compostagem e
a valorização energética são fundamentais nesse processo educativo.
Produtos oxibiodegradáveis dissimulam o problema, varrendo a sujeira
para baixo do tapete.
Por essas razões, a Prefeitura de
São Paulo, em 23/6, vetou projeto de
lei que obrigava o uso de tais sacolinhas plásticas na capital. No mesmo
sentido, a Secretaria do Meio Ambiente recomendou ao governador
José Serra o veto a semelhante iniciativa aprovada, por acordo, sem votação, na Assembléia Legislativa. Repita-se: o projeto de lei torna obrigatório o uso do novo plástico. Esquisito,
parece lobby de interesse privado.
Curiosamente sempre se originam
de parlamentares do PT os incisivos
projetos de lei, que se esparramam
alhures. Ora, se o partido do presidente da República realmente julgar
que essa alternativa do plástico oxibiodegradável é a melhor, poderia remeter o tema à discussão do Congresso Nacional. A matéria exige legislação nacional. Não houvesse outro, esse seria um motivo para o veto.
É indevido querer obrigar comerciantes paulistas a utilizar tal material. Não faz sentido privilegiar uma
tecnologia contestada por cientistas e
ambientalistas. É instrutivo saber
que nem Inglaterra e Canadá, países
que desenvolveram essas poliolefinas
e demais aditivos oxidegradantes,
adotaram a tecnologia. Se efetivamente os inventores das novas sacolinhas tivessem "neutralizado" o plástico, o mercado mundial as teria adotado. Nem precisaria de lei.
Estima-se que o mundo utilize 1
milhão de sacolas plásticas por minuto. Em São Paulo, 18% do lixo é composto desse material. É um enorme
problema ambiental. A substituição
do plástico derivado de petróleo por
sucedâneo ecologicamente correto
depende da inovação tecnológica.
Em São Paulo, pesquisas de ponta,
apoiadas pela Fapesp em parceria
com a iniciativa privada, buscam viabilizar o biopolímero oriundo de fontes renováveis de energia, como milho e cana-de-açúcar. Esses biopolímeros, sim, serão os plásticos do futuro, capazes de livrar a sociedade de
montanhas de detritos.
O marketing que privilegia o sumiço efêmero do lixo plástico serve à indústria petroquímica mundial. Daqui
se origina o efeito estufa do planeta,
exigindo mudanças profundas no uso
da energia fóssil e seus sucedâneos.
Nesse processo, inexistem soluções
milagrosas, que apenas mascaram o
dilema ambiental da humanidade. O
resto é perfumaria.
FRANCISCO GRAZIANO NETO, o Xico Graziano, é engenheiro agrônomo e secretário estadual do Meio ambiente de São Paulo. Foi presidente do Incra (1995) e chefe do gabinete pessoal da Presidência da República (gestão FHC).
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