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Sumiço de abelhas e caos no trânsito
GILBERTO DUPAS
Aprendiz de feiticeiro, nossa civilização só desperta para os perigos de seus caminhos tecnológicos quando tragédias acontecem
OQUE tem a ver o recente sumiço das abelhas em várias partes
do mundo com os imensos
congestionamentos que infernizam a
vida dos cidadãos das grandes cidades? Mais do que parece.
O caos do trânsito, resultado da primazia do transporte individual, tem
dramáticos efeitos sobre o tempo e a
saúde das pessoas. Ao lado da emissão
de gases e toxinas industriais, a poluição do ar por veículos é variável crítica tanto do aquecimento global e dos
efeitos no clima como de doenças.
A British Air Foundation conduziu
pesquisas provando que bastam seis
horas pedalando no tráfego intenso
para causar danos aos vasos sangüíneos, tornando-os menos flexíveis,
reduzindo proteínas que previnem
coágulos e favorecendo riscos cardíacos. O Laboratório de Poluição Atmosférica da USP estima que a poluição ambiental encurte em média dois
anos da vida do paulistano.
O índice de abortos também aumenta, porque o fluxo arterial na placenta diminui; e há suspeitas de efeitos severos na fertilidade.
Dados do banco de sêmen do hospital Albert Einstein confirmam que a
concentração de espermatozóides no
sêmen dos paulistanos caiu significativamente nos últimos dez anos. Entre as hipóteses estão poluição, excessivo consumo de produtos industrializados, estresse, medicamentos, produtos para queda de cabelo, exposição
à radiação, substâncias tóxicas dos
plásticos de embalagem, pesticidas e
outros venenos da vida moderna.
"São coisas que as pessoas vão incorporando em sua dieta e fazem um
estrago tremendo nas mitocôndrias e
no DNA, causando não só a morte celular como também danos à motilidade e à morfologia", afirma Dirceu
Mendes Pereira, da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana.
Porém, o século 21 ficará conhecido
como a era do automóvel popular.
Carros de US$ 6.000, produzidos no
padrão chinês, abarrotarão o mundo e
farão crescer a degradação ambiental
gerada ao fabricá-los e usá-los. Logo
agora, quando questões vitais relativas ao clima e à saúde humana exigiriam o abandono radical do transporte individual em benefício do coletivo.
Mas, como convencer o cidadão
chinês, indiano ou brasileiro de que a
festa vai acabar justo quando ela chega à sua porta? Ou as grandes corporações globais, que já fazem os cálculos dos lucros em grande escala propiciados por essa nova fronteira de acumulação no "mercado dos pobres"?
Mas o que têm abelhas com isso?
Muito. No último outono do hemisfério Norte, elas deram para desaparecer. O mesmo fenômeno foi notado
em vários países, inclusive no Brasil,
causando perplexidade entre cientistas, apicultores -que chegaram a perder 50% de suas colméias- e ecologistas, todos alarmados com os danos
ao ambiente e à agricultura se uma
crise permanente ocorrer.
Afinal, abelhas são os grandes polinizadores naturais que viabilizam a
formação de frutos e sementes. Cientistas da Universidade Harvard fazem
hipóteses que incluem intoxicação
por inseticidas, infecções por vírus e
até radiação de telefones celulares.
Quanto aos pesticidas, há inúmeras
tragédias humanas que alguns já causaram. Por que não atingiriam as abelhas? Nos anos 1970-80, utilizados
nos bananeirais da América Central,
esterilizaram 30 mil homens.
Na ilha de Kyushu, no Japão, milhares de pessoas que consumiram
óleo de arroz contaminado por dibromo cloropropano ficaram doentes e
112 morreram de intoxicação aguda,
câncer e outras afecções; seus filhos
herdaram distúrbios imunológicos e
do desenvolvimento. A OMS estimou
em 3 milhões o número de casos de
contaminação desse tipo no mundo.
Resíduos tóxicos como metais pesados são encontrados em animais
das regiões mais distantes do mundo,
numa poluição sistêmica global que
atinge vegetais e humanos.
Quanto às ondas magnéticas, o planeta se tornou um imenso emissor
delas, produto das múltiplas transmissões de rádio, TV, celular e radar,
cujas conseqüências exatas sobre o
meio ambiente e a saúde humana estamos longe de conhecer. Basta imaginar a brutal quantidade de emissão
de ondas que poluem o espaço para
que funcionem os 2 bilhões de celulares que abarrotam nosso globo. É razoável supor que afetem as abelhas?
Aprendiz de feiticeiro, nossa civilização só desperta para os perigos de
seus caminhos tecnológicos quando
tragédias acontecem. O sumiço temporário das abelhas pode ser mais um
grave sintoma para que fiquemos em
estado de alerta.
GILBERTO DUPAS, 64, é presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI) e coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP. É autor
de "O Mito do Progresso", entre outras obras.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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